TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

188 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL artigo 11.º, a certidão de dívida composta pelas taxas de portagem e custos administrativos associados correspon- dentes a cada mês, que são remetidos à entidade competente. 6 – O direito de ilidir a presunção de responsabilidade prevista no n.º 3, considera-se definitivamente preclu- dido caso não seja exercido no prazo referido no n.º 1. Nos três casos concretos que suportam o pedido de generalização, a norma extraída do n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, foi julgada inconstitucional com o específico sentido normativo com que foi desaplicada nas sentenças recorridas, isto é, no sentido de estabelecer uma presunção inilidível em relação ao autor da contraordenação, independentemente da prova que sobre a autoria for feita em pro- cesso judicial. Ou seja, nas sentenças recorridas não se julgou inconstitucional a referida norma no sentido de estabe- lecer uma presunção inilidível anterior ou concomitante ao levantamento de auto de notícia, cuja validade nem sequer é questionada, mas apenas no que toca à atuação da presunção legal em sede de impugnação judicial da decisão administrativa de condenação pela prática da contraordenação. Os tribunais recorridos consideraram que a norma impugnada os impede de relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos ou, em caso de dúvida, fazer atuar o princípio in dubio pro reo . É, pois, no contexto de um processo judicial que o tribunal recorrido desaplica a norma por inconstitucionalidade, considerando que nesse processo a arguida deve ser admitida a ilidir a presunção. 6. A norma do n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, foi desaplicada nos casos concretos que legitimam o pedido de genera- lização do juízo de inconstitucionalidade com fundamento na violação de três parâmetros constitucionais: (i) o princípio da culpa, implícito na subordinação da lei à dignidade humana, na medida em que impõe uma responsabilidade objetiva, inilidível, em matéria sancionatória; (ii) o princípio do direito de defesa em processo contraordenacional, na medida em que não permite ao arguido provar a autoria efetiva dos factos; (iii) e o princípio de presunção de inocência, porque não permite ao Tribunal atuar o princípio in dubio pro reo . Estando em causa garantias constitucionais em matéria de contraordenações, importa começar por ana- lisar os traços gerais da jurisprudência constitucional sobre o assunto. Tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que as garantias constitucionais previstas no artigo 32.º da CRP se aplicam no domínio das contraordenações com algumas adaptações. Neste sentido, tem-se con- siderado que o legislador dispõe de uma margem de apreciação mais ampla no âmbito das contraordenações. No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 231/79, de 24 de julho, que introduziu o ilícito de mera ordenação social na ordem jurídica portuguesa, começou por se afirmar que «hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contraordenação “é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respetivo ilícito e as reações que lhe cabem não são direta- mente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal” [...]. Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal. Não é, por isso, admissível qualquer forma de prisão preventiva ou sancionatória, nem sequer a pena de multa ou qualquer outra que pressuponha a expiação da censura ético pessoal que aqui não intervém. A sanção normal do direito de ordenação social é a coima, sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridade administrativa, com o sentido dissuasor de uma advertência social, pode, consequentemente, admitir-se a sua aplicação às pessoas coletivas e adotar-se um processo extremamente simplificado e aberto aos corolários do princípio da oportunidade».

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