TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
186 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL autoria for feita mesmo em processo judicial, não permite ao arguido poder, através do recurso juris- dicional, alterar a decisão administrativa que foi tomada sobre a autoria do ilícito, através de prova que a invalide, nem permite ao tribunal conhecer desta última, não permitindo o exercício material de um direito de impugnação judicial que a Constituição confere ao administrado (acoimado) por ela visado (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição), nem a garantia da tutela jurisdicional efetiva plasmada no artigo 20.º da Constituição, razão que impõe um juízo de inconstitucionalidade da norma sob apreciação, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva. XII – O entendimento da norma ora questionada como estabelecendo uma presunção inilidível da autoria do ilícito de não pagamento de taxas de portagem, não pode deixar de se ter como violador do princí- pio da presunção da inocência – que pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito sancionatório público, pelo que encontra aplicação também no processo contraordenacional –, já que o que tal norma determina é precisamente uma presunção inabalável de culpabilidade; não é a simples previsão de uma presunção legal que comporta a violação do princípio agora em análise, mas o que é intolerável é a exis- tência de presunções inilidíveis em contexto sancionatório, quando reportadas à autoria da prática de infrações; uma presunção inilidível sobre a prática de um ilícito não permite ao tribunal procurar a ver- dade ou relevar qualquer prova sobre a autoria dos factos, nunca podendo fazer sequer atuar o princípio in dubio pro reo quando não se consiga firmar convicção sobre a efetiva autoria dos factos; assim, quer por impedirem ao arguido afastar uma presunção de autoria de um ilícito, quer ainda por impedirem ao tribunal de formar livremente a sua convicção sobre a mesma, tal norma não pode deixar de violar o princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: I - Relatório 1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio requerer, em conformi- dade com o disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitu- cional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (“Lei do Tribunal Constitucional”), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação da inconstitucionalidade da «norma contida no n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, quando interpretada no sentido de estabelecer uma presunção inilidível em relação ao autor da contraordenação, independentemente da prova que sobre a autoria for feita em processo judicial». Como fundamento, o requerente alega que tal norma já foi julgada inconstitucional em três casos con- cretos pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente pelo Acórdão n.º 338/18, já transitado em julgado, e bem assim, pelas Decisões Sumárias n. os 75/20 e 76/20, igualmente transitadas em julgado. 2. Notificado para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos. 3. Discutido o memorando elaborado pelo Presidente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.
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