TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
185 acórdão n.º 172/21 VII – Ainda que se considere que o princípio da culpa não reveste o mesmo significado em matéria con- traordenacional, a interpretação da norma do n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, no sentido de que, sempre que não for possível identificar o condutor do veículo no momento da prática da contraordenação, é sempre responsável pelo pagamento das coimas a aplicar, das taxas de portagem e dos custos administrativos em dívida, o proprietário do veículo, identificado no registo, tornando-se essa presunção inilidível em sede do próprio processo judicial de impugnação da decisão administrativa, afronta o conteúdo mínimo de tal princípio; a mencionada interpretação impõe a responsabilidade do proprietário registado do veículo que faltou ao pagamento da coima e das custas, independentemente da sua real participação nos factos e mesmo na ausência de qualquer ligação com o autor da infração à data dos mesmos, impondo a responsabilização de quem pode não ter tido qual- quer participação, conexão ou ainda aproveitamento pessoal dos factos praticados. VIII – Interpretada da forma como o foi pelos tribunais, a presente norma pode impor a responsabilidade pelo pagamento dos valores devidos pela portagem e contraordenação a quem não tenha qualquer ligação com o autor da prática da infração e, decorrido o prazo de trinta dias, o ex-proprietário do veículo – ainda que comprovada a venda do mesmo, mas não se encontrando a mesma registada –, responderá sempre pela prática das contraordenações em causa; tal responsabilização faz perigar o núcleo essencial do princípio da culpa que, ainda que em matéria de contraordenações, se impõe ser reconhecido, sob pena de postergar um mínimo de previsibilidade sobre as consequências dos com- portamentos individuais, o que é insustentável num Estado de direito; tal solução legal não se afigura minimamente proporcional às pretensões do legislador: obter o pagamento de taxas de portagem e a responsabilização contraordenacional pela falta desse pagamento. IX – A presunção inilidível, em sede de processo judicial, de responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo ou do locatário que resulta do decurso do prazo previsto na lei para a indica- ção do condutor, viola o conteúdo mínimo do princípio da culpa; embora se possa argumentar que essa presunção corresponde a uma questão essencialmente processual e, nesse sentido, já só indireta- mente poderia implicada no princípio da culpa, o n.º 6 do artigo 10.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho, pressupõe, tem mesmo como elemento inexorável, uma transferência de responsabilidade, pelo que comporta – não apenas, mas também e desde logo –, uma violação do princípio da culpa. X – Embora a norma objeto do presente recurso não vede, em si, a possibilidade de se impugnar judicial- mente a decisão administrativa, quer o direito de acesso a uma impugnação judicial de decisões admi- nistrativas que se queira efetiva, quer o próprio direito de acesso aos tribunais em geral – o qual reclama expressamente uma tutela jurisdicional efetiva – não se bastam com a simples garantia formal de acesso aos tribunais por parte dos administrados; da consagração do direito à tutela jurisdicional efetiva derivam vários corolários que se repercutem em exigências materiais que devem enformar a específica modelação dos processos e os direitos das partes, um dos quais é o direito de defesa e do contraditório. XI – O princípio do contraditório – que em processo jurisdicional de impugnação de medida sanciona- tória assume a relevância de um verdadeiro direito de defesa – não se basta com a simples garantia de audição ou de apresentação de provas, exigindo que as partes não só tenham direito a apresentar razões, oferecer provas e tomar posição sobre as provas do adversário, mas ainda que, através desses meios, possam exercer uma influência efetiva na decisão; o entendimento amplo do direito à tutela jurisdicional efetiva não é minimamente satisfeito na norma objeto do presente recurso que, enten- dida no sentido de estabelecer uma presunção inilidível, independentemente da prova que sobre a
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