TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

184 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aos princípios do direito criminal em matérias como as do âmbito da responsabilização das pessoas coletivas, da culpa, do erro, da autoria e do concurso. III – O princípio da culpa, apesar de todas as diferenças de conteúdo e significado que assume no domínio contraordenacional, atua, ainda assim, como limite da responsabilidade contraordenacional, assumin- do aí, contudo, um diferente sentido e conteúdo, não podendo ter-se como inteiramente postergado em matéria contraordenacional o postulado da pessoalidade da responsabilidade, que se traduz em não poder imputar-se a uma pessoa um crime cometido por outrem ( ex injuria tertii ), que constitui uma concretização do princípio da culpa, e que em matéria de direito criminal decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana, mas que em matéria contraordenacional – onde a censura não encerra “um juízo de desvalor ético-jurídico dirigido à personalidade do agente” nem a sanção “efeitos estigmatizantes” comparáveis aos da pena – encontrará antes o seu assento normativo no prin- cípio do Estado de direito democrático; de outro modo, dificilmente poderiam admitir-se situações de transmissibilidade da responsabilidade no âmbito contraordenacional, ainda que a título excecional, como tem vindo a acontecer na jurisprudência deste Tribunal. IV – Assumindo o princípio da culpa diferente alcance no domínio das contraordenações, dispondo o legislador, na configuração dos concretos ilícitos, de uma maior margem de conformação, a qual se projeta, nomeadamente, no contexto dos pressupostos da imputação, tem já o Tribunal Constitu- cional entendido que, no contexto contraordenacional, a imputação de um facto a um agente tem por referente legal e dogmático um conceito extensivo de autoria de matriz causal, segundo o qual é considerado autor de uma contraordenação todo o agente que tiver contribuído causal ou cocausal- mente para a realização do tipo, ou seja, que haja dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, podendo isso ocorrer de qualquer forma; em adoção desse conceito, foram vários os Acórdãos que não julgaram inconstitucionais normas que imputavam a responsabilidade contraordenacional a quem não era autor direto dos factos. V – No caso presente, não se afigura possível proceder a uma interpretação conforme à Constituição do disposto no artigo 10.º, n.º 6, da Lei n.º 25/2006 – por reporte ao prazo previsto no n.º 1 –, pois a norma é expressa ao fazer precludir “definitivamente” a possibilidade de ilidir a presunção decorrido aquele prazo; embora em matéria das contraordenações o legislador se socorra muitas vezes de presun- ções, justificadas por razões de praticabilidade e efetividade da sanção, ao ser afastada a possibilidade de prova em contrário, como se verifica no presente caso, as presunções inilidíveis aproximam-se da figura das ficções legais, através das quais o facto ficcionado é definitivamente fixado sem que se considere sequer a possibilidade de demonstração de uma realidade diversa, estabelecendo-se uma presunção inilidível da prática da contraordenação. VI – O conceito de culpa em matéria de contraordenações reveste um significado específico, podendo ser compatível quer com situações excecionais de transmissibilidade da responsabilidade, quer com um conceito amplo de autoria; porém, o que ao conceito amplo de autoria assenta ainda numa exigên- cia causal, apenas podendo ser considerado autor de uma contraordenação quem tiver, no mínimo, contribuído para a realização do tipo, tendo dado origem a uma causa para a sua realização ou que haja promovido, com a sua ação ou omissão, o facto ilícito, de onde podemos retirar um conteúdo mínimo do conceito de autoria – a existência de um nexo causal mínimo entre o autor e a prática da contraordenação em causa – indispensável à satisfação do princípio da culpa.

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