TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2.5. Na tese do Acórdão, uma vez alcançada a invalidade da norma por violação do Estatuto, irrelevante se torna conhecer da sua inconstitucionalidade. Não é de aceitar esta tese. A declaração de ilegalidade não equivale à declaração de inconstitucionalidade da mesma norma. Não há, nem pode haver, equivalência entre ambos os vícios. Desde logo, aceitá-la seria ignorar o objeto específico do processo de fiscalização abstrata de constitucio- nalidade: as pretensões de verificação da conformidade constitucional de determinadas soluções normativas fundamentadas em normas constitucionais, que se deduzem perante o Tribunal Constitucional. A fiscaliza- ção abstrata de constitucionalidade tem natureza tendencialmente objetiva, visando os pedidos apresentados neste processo sobretudo a proteção da ordem jus-constitucional, objetivamente considerada. Aceita-se sem pejo a importância dos Estatutos Político-Administrativos no contexto da regionalização portuguesa, como cartas fundamentais da autonomia e do autogoverno dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. No entanto, estes atos normativos ocupam um lugar sub-constitucional no nosso ordenamento jurídico. A Constituição detém superioridade hierárquica sobre todos os atos jurídicos dos poderes públicos (artigo 3.º, n.º 3) e a sua interpretação tem uma valia própria e autónoma face à mera apreciação de legali- dade. A primariedade da Constituição implica a sua maior força normativa. A leitura interpretativa de um preceito constitucional, no contexto específico do texto constitucional, tem uma autonomia inultrapassável pela mera interpretação de uma lei, mesmo que reforçada. A força obrigatória geral que decorre de uma declaração de inconstitucionalidade produz um conjunto de efeitos que se projetam para lá da mera resolu- ção do caso concreto – pelo que não pode ser dispensada só porque o objetivo de destruição da norma já foi alcançado. Não o reconhecer é confundir o papel do Tribunal Constitucional e os efeitos das suas decisões no âmbito da fiscalização abstrata e da fiscalização concreta da constitucionalidade. Por conseguinte, afirmar, como faz o Acórdão, que o alcance do efeito da invalidade da norma por violação do Estatuto torna inútil a apreciação da sua conformidade constitucional significa ignorar os fins específicos que serve a fiscalização abstrata de normas com fundamento em inconstitucionalidade e as con- sequências dessa fiscalização. Ora, ignorar a diferença existente entre ilegalidade e inconstitucionalidade leva a uma degradação do valor normativo da Constituição, o que de modo algum pode ser aceite, ainda menos quando promovida pelo Tribunal Constitucional. 2.6. Independentemente desta questão, a verdade é que a afirmação feita pelo Acórdão é incorreta. A inconstitucionalidade invocada da norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, do Regimento da ALRAM, designadamente por violação do artigo 116.º, n.º 2, da Constitui- ção, não pode ser consumida pela ilegalidade por violação do artigo 52.º do Estatuto. O Acórdão adianta uma ideia de maior exigência do Estatuto da RAM o que justificaria que não se entrasse no conhecimento da inconstitucionalidade desta norma do Regimento. Também esta fundamenta- ção, além de não respeitar a precedência valorativa do respeito pela Constituição, não me parece sustentável. Na verdade, diferentemente do sustentado no Acórdão, para efeitos de apreciação da norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, do Regimento não se pode dizer que «a lei de valor reforçado (o EPARAM) é o parâmetro mais exigente». No Estatuto não se encontra sequer qualquer exigência expressa ao nível de quórum deliberativo. Efetivamente, enquanto o artigo 116.º, n.º 2, da Constituição prescreve o quórum deliberativo dos órgãos colegiais, nada determinando relativamente ao quórum de funcionamento, o artigo 52.º do EPARAM só esta- tui o quórum de funcionamento, sendo silente relativamente ao quórum deliberativo. Assim sendo, não se encontra uma sobreposição de conteúdos normativos entre os dois parâmetros. Isto é particularmente importante porque o artigo 104.º, n.º 2, estabelece um requisito para a validade das deliberações. Trata-se de uma norma que estabelece um quórum deliberativo, ainda que por remissão, pelo que o seu parâmetro de validade deve ser o artigo 116.º, n.º 2, da Constituição. Não é por acaso que a Constituição, no n.º 2 do artigo 116.º, eleva a questão do quórum deliberativo ao nível de disposição constitucional. Trata-se de assegurar a presença da maioria dos membros de um órgão
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