TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL X – Independentemente das formulações mais ou menos expressivas, a verdade é que o direito à vida é objeto de um reconhecimento jurídico universal, mas esta universalidade não impede a consagração de soluções muito diferenciadas quanto à matéria da morte medicamente assistida, sendo possível encontrar três grandes tendências no plano do direito comparado: i) a despenalização e a regula- ção expressa da eutanásia ativa e, ou, do suicídio assistido; ii) a tolerância relativamente ao suicídio assistido, sem que lhe seja conferida uma regulação legal expressa; e iii) a proibição da eutanásia ativa e do suicídio assistido. XI – O teor da consagração do direito à vida na Constituição portuguesa – «a vida humana é inviolável» – torna facilmente apreensível que aquele direito não tem uma dimensão negativa: ao direito de viver (e, portanto, de não ser morto) não se contrapõe um direito a morrer ou a ser morto (por um terceiro ou com o apoio da autoridade pública), um direito a não viver ou um direito de escolha sobre continuar ou não a viver; não se pode excluir, todavia, que um tal direito não possa resultar da liberdade de cada um se autodeterminar, em função do seu projeto pessoal de vida, impondo um limite ao próprio dever estadual de proteção da vida decorrente do artigo 24.º, n.º 1, da Cons- tituição. XII – Na ordem jurídica portuguesa, os valores da liberdade geral de ação e da capacidade de autodeter- minação individual encontram-se particularmente refletidos no direito fundamental ao desenvolvi- mento da personalidade, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição; estas duas dimensões do direito ao desenvolvimento da personalidade conferem a cada pessoa o poder de tomar decisões cruciais sobre a forma como pretende viver a própria vida e, por inerência, a forma como não a pre- tende continuar a viver; contudo, neste processo, não é necessário tomar posição sobre tal matéria, porquanto não está em causa a conduta isolada de alguém que quer pôr termo à própria vida, mas a assistência de profissionais de saúde, num quadro de atuação regulado e controlado pelo Estado, à antecipação da morte de uma pessoa a pedido desta. XIII – A singularidade constitucional da dimensão subjetiva do direito à vida consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição, assente em considerações de ordem literal e histórica e, outrossim, de nature- za jurídico-sistemática determinam-lhe um valor objetivo de não menor relevo, enquanto «princípio estruturante de um Estado de direito alicerçado na dignidade da pessoa humana», que implica, necessariamente, o reconhecimento de um exigente dever para o Estado, e em particular para o legis- lador, de proteger e promover a vida humana; compete ao legislador conceber modelos de proteção e de os estabelecer normativamente, gozando para o efeito de uma liberdade de conformação mais ou menos ampla; daí que as possibilidades de controlo de eventuais défices de proteção também sejam limitadas, embora seja claro que se a vida humana, mesmo do ponto de vista do seu titular, não é um bem como qualquer outro, isso não pode deixar de ter consequências na avaliação dos limites impostos pela consideração de outros bens à sua própria proteção. XIV – No Decreto n.º 109/XIV, a exclusão da punibilidade da antecipação da morte medicamente assisti- da, verificadas determinadas condições (ou critérios) materiais e com observância do procedimento aí disciplinado, coexiste com a continuação da punibilidade da morte a pedido da vítima e da ajuda ao suicídio; assumindo que a antecipação da morte não deve ser banalizada nem normalizada – man- tendo por isso a incriminação da morte a pedido e da ajuda ao suicídio para a generalidade dos casos – mas reconhecendo igualmente existirem situações mais ou menos típicas em que a aquela pode ser justificada – e já hoje deve ser desculpada – terá o legislador, por via do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto,

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