TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
175 acórdão n.º 171/21 Açores e da Madeira, no sentido de que o exercício da autonomia político-administrativa regional, a exercer no quadro da Constituição, implica uma definição e concretização estatutária. O ordenamento estatutário de cada região autónoma, sem prejuízo de se encontrar subordinado à Constituição do Estado de que aquelas fazem parte, acresce ao ordenamento constitucional. Esta combinação é a expressão normativa do Estado unitário com regiões autónomas que a Constituição consagra no seu artigo 6.º e destina-se a assegurar que a autonomia político-administrativa regional não afeta a integridade da soberania do Estado e se exerce em conformidade com a Constituição (cfr. o respetivo artigo 225.º, n.º 3). É neste quadro que se compreende a distinção entre a defesa da integridade da ordem constitucional e a defesa da integridade da ordem regional que subjaz ao artigo 281.º, n.º 2, da Constituição. Como assinalou a Conselheira Maria Lúcia Amaral na declaração junta ao Acórdão n.º 645/13: «[E]xiste em Portugal uma única ordem constitucional: a condição jurídica fundamental das pessoas – de todas elas, residam no continente ou nas ilhas – é, assim, aquela (e só aquela) que a CRP define; o modo de exercício do poder político soberano, que vale para todo o território nacional, é aquele (e só aquele) que a Constituição consagra. Aos estatutos político-administrativos, que nos seus termos se elaboram para valer como leis básicas das regiões, cabe apenas regular o modo de exercício do poder regional, que se exerce com autonomia no território de cada região. […] […H]avendo em Portugal uma única ordem constitucional, as questões que a essa ordem dizem respeito – como são aquelas que decorrem da eventual violação das normas constantes das Partes I e II da CRP, ou da sua Parte III, relativa ao modo de exercício do poder soberano – só podem ser colocadas à jurisdição competente para delas conhecer por “entidades” nacionais. É que os problemas de constitucionalidade que dizem respeito a todos os cidadãos portugueses devem ser formulados, ou por órgãos representativos desses mesmos cidadãos [alíneas a) , b) , c) e f ) do n.º 2 do artigo 281.º], ou por órgãos vocacionados para a garantia da integridade da ordem jurídica, no seu todo [alíneas d) e f ) ]. Resta às entidades regionais – às quais naturalmente não competirá nem a representação do todo nacional nem a função de garantia da integridade da ordem jurídica – aceder à jurisdição constitucional nas situações em que tal se justifique. E uma vez que a essas entidades só cabe a representação das populações regionais e a defesa da integridade da “ordem regional”, as situações em que se que justifica o acesso da sua parte à justiça constitucional são precisamente essas que a alínea g) do n.º 2 do artigo 280.º identifica: para defesa da Constituição, se estiverem em causa os “direitos das regiões”; para defesa dos Estatutos Político-Administrati- vos (das leis básicas das regiões), se estiver em causa ofensa, por atos provindos da República ou dos próprios órgãos regionais, de normas deles constantes.» Como se assinalou igualmente nessa declaração, os estatutos político-administrativos visam concre- tizar e desenvolver a Constituição, em especial no que se refere à organização democrática do governo da autonomia regional. Daí a inevitabilidade da existência de normas estatutárias que replicam ou adaptam normas constitucionais sobre a organização e o funcionamento do poder político autonómico: «as regiões não detêm apenas o “direito” a uma autonomia organizada de acordo com os princípios constitucionais que predeterminam a sua forma de governo; mais do que isso, as regiões detêm o direito a uma autonomia esta- tuariamente definida (artigo 6.º e artigo 226.º). [Assim, os parâmetros constitucionais relevantes neste domí- nio] são mediados pelos Estatutos Político-Administrativos que, sendo a Lei Básica da região, servem para isso mesmo: para organizar o sistema de governo regional, incorporando, desenvolvendo e completando os princípios constitucionais que informam aquele mesmo sistema» (vide ibidem ). Consequentemente, essas normas, devido ao respetivo conteúdo, não são estatutárias apenas por constarem de um dado estatuto polí- tico-administrativo – não são normas (apenas) formalmente estatutárias, correspondentes a “cavaleiros esta- tutários” –, mas antes normas que encontram em tal estatuto a sua sede própria, com vista à conformação do poder político regional – devendo, por isso, qualificar-se como materialmente estatutárias. E, nessa medida, relevam como parâmetro de legalidade da atuação dos órgãos regionais.
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