TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, deixar de conhecer da eventual violação das normas constitucionais, para além de paradoxal face à nova conceção de legitimidade delineada no Acórdão (e a que se aludiu supra no ponto 1.), desvirtua o princípio do pedido que, como tenho vindo a sublinhar, tem uma incontornável legitimidade conformadora dos poderes de cognição do Tribunal (cfr. artigo 51.º da LTC). Com efeito, a Constituição ao consagrar expressamente, no artigo 116.º, n.º 2, o princípio democrático de funcionamento dos órgãos colegiais, entre os quais se incluem as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, toma uma posição sobre o modo de apuramento do seu quórum deliberativo. E dificilmente se poderá dizer que, ao regular esta matéria, não está a Constituição a disciplinar o direito da região autónoma, impondo que o órgão legiferante autonómico obedeça ao modelo democrático aí desenhado. 3. Por outro lado, ao não afrontar a questão da eventual desconformidade constitucional das normas sindicadas, em meu entender, e de um ponto de vista metodológico, o Tribunal não está, neste caso, a fazer a devida ponderação da hierarquia das fontes: o valor paramétrico da Constituição impõe que a análise da conformidade constitucional preceda a da legalidade, por ofensa ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM).  Os argumentos apontados a favor da opção contrária não são, de todo, convincentes. Desde logo, não reconheço qualquer razão ponderosa para a inversão da ordem de conhecimento dos vícios, nem a mesma foi claramente explanada na fundamentação do Acórdão. No entanto, a diferença não será necessariamente só de grau, pelo contrário, os requerentes, enquanto representantes do órgão legislativo regional, terão todo o interesse em saber se a norma, de alguma forma, afronta a Constituição. E, nesta sede, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, representa para o legislador um verdadeiro limite nega- tivo geral vinculativo. A função de controlo e sindicância do Tribunal Constitucional não é afetada pela vocação objetivista do processo de fiscalização abstrata sucessiva, ao invés, nestes processos, o Tribunal atua como verdadeiro «guardião» da Constituição, devendo conhecer os vícios (apenas) em função e à luz dos parâmetros constitucionais. Acresce que, apreciada a questão da inconstitucionalidade da(s) norma(s) sindicadas, nada obsta, antes se impõe, que seja igualmente apreciada a sua legalidade, na sua vertente de conformidade com o artigo 52.º do EPARAM (designadamente, quanto à regra relativa ao quórum de funcionamento), na medida em que, sendo a Constituição omissa nesta matéria, o seu conhecimento não fica prejudicado (ou consumido) por aquela declaração. – Assunção Raimundo. DECLARAÇÃO DE VOTO (relativa ao n.º 10 do Acórdão) O não conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira justifica-se, em meu entender, exclusivamente por causa da ilegitimidade dos requerentes (este pressuposto negativo pre- cede o da inutilidade superveniente). E idêntica razão explica, desde logo, e sem prejuízo das razões de ordem pragmática invocadas no n.º 12 do Acórdão, que se aprecie e decida apenas o pedido de declaração de ilegali- dade, com força obrigatória geral, do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regimento e, bem assim, da norma que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º, ambos de tal normativo. Os artigos 63.º e 104.º em análise respeitam ao modo de funcionamento e de deliberação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, um elemento fundamental da organização democrática do governo da região, que, segundo a Constituição, cabe aos estatutos político-administrativos de cada região autónoma concretizar. Estes últimos representam, em especial devido ao seu conteúdo constitucionalmente devido e ao modo como são aprovados e modificados (cfr. os artigos 226.º, 227.º, n.º 1, 228.º, n.º 1, 231.º e 232.º, todos da Constituição), um mediador necessário do regime autonómico próprio dos arquipélagos dos

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