TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
164 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, não restam dúvidas de que a Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho, estabeleceu um novo critério de contagem dos votos, modificando substancialmente os termos do regime. Desde logo, porque a norma vigente não é aplicável a todas as deliberações da ALRAM, mas apenas às carecidas de efi- cácia externa e relativas ao funcionamento dos trabalhos. Ademais, a regra de contagem dos votos é agora circunstanciada por limites distintos, operando somente quando estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar. Estas alterações não podem deixar de se ter por substanciais, tendo em conta que obviam ao efeito jurídico salientado no pedido de declaração de inconstitucionalidade e ilega- lidade dos requerentes: o voto de um único deputado ser ficcionado como voto de todos os deputados de um grande grupo parlamentar. Não se trata, assim, de uma e a mesma norma, ainda que contida num enunciado legal diverso, mas de norma diversa, que estabelece um regime diverso de contagem de votos na ALRAM. Tal implica que o Tribunal Constitucional, por força do princípio do pedido, não possa apreciar a consti- tucionalidade ou a legalidade da norma criada pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho. Tendo a norma sobre a qual incide o pedido sido substituída, importa agora determinar se a apreciação da sua constitucionalidade ou ilegalidade mantém utilidade, tendo em conta que «o fim que, em primeira linha, se visa atingir com a declaração de inconstitucionalidade – expurgar o ordenamento da norma viciada – foi já atingido através da sua revogação» (Acórdãos n. os 238/88 e 117/97). Com efeito, a justiça constitucio- nal não é um exercício académico; nos processos de fiscalização sucessiva abstrata, as questões de constitucio- nalidade (ou de legalidade) são colocadas ao Tribunal Constitucional no contexto de um pedido de decisão invalidatória – a declaração com força obrigatória geral –, legitimado pelo interesse em expurgar a ordem jurídica de normas inconstitucionais, aplicáveis e vinculativas enquanto vigorarem. Ora, como as normas revogadas ou substituídas não mais vigoram, a apreciação da sua validade pode parecer um exercício ocioso. Não é exatamente assim. Como «a revogação reveste, em princípio, eficácia prospetiva ( ex nunc ), enquanto, em sede de fiscaliza- ção abstrata sucessiva, de acordo com o artigo 282.º, n.º 1, da CRP, a declaração de inconstitucionalidade comporta, em regra, eficácia retroativa ( ex tunc ), subsiste a possibilidade de persistir interesse jurídico rele- vante na eliminação dos efeitos produzidos medio tempore » (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/12, reproduzindo a jurisprudência constante, entre muitos outros, dos Acórdãos n. os 17/83, 238/88, 135/90, 308/93, 397/93, 804/93, 806/93, 186/94, 57/95, 580/95, 117/97, 673/99, 45/00, 32/02, 140/02, 187/03, 76/04, 19/07 e 31/09). Atendendo-se a esta diferença decisiva entre efeito prospetivo ( ex nunc ) da revogação por via de lei e efeito retroativo ( ex tunc ) da declaração de inconstitucionalidade, dir-se-ia que a utilidade desta não é prejudicada pela verificação daquela. Isto porque a norma revogada continua a ser aplicável aos casos ocorridos no seu domínio temporal de vigência, delimitado de acordo com as regras de sucessão de leis no tempo, ao passo que a declaração de invalidade atinge a norma desde a origem, tornando-a inaplicável a todos os casos – ressalvados, com relevantes modulações em matéria penal, disciplinar e contraordenacional, os casos julgados (n.º 3 do artigo 282.º da Constituição) −, independentemente da sua situação temporal. Todavia, o Tribunal Constitucional vem subordinando o conhecimento do pedido quando a norma sobre o qual incide tiver sido revogada aos casos em que se demonstre um interesse jurídico relevante. Este afere-se em função de uma dupla exigência: por um lado, que a norma revogada tenha produzido efei- tos jurídicos constitucionalmente relevantes durante a sua vigência; por outro, requer-se que declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral seja «indispensável para atingir efeitos corretivos ou elimi- natórios de largo alcance, mormente quando seja conhecida a pendência de número significativo de casos em que foram aplicadas as normas objeto de controlo» (vide os Acórdãos n. os 238/88, 186/94, 188/94, 57/95, 117/97, 497/97, 45/00, 32/02, 485/03, 76/04, 19/07, 497/07, 31/09 e 539/12), devendo tal indispensabi- lidade ser evidente e manifesta (vide os Acórdãos n. os , 238/88 e 32/02). O alcance desta jurisprudência é o seguinte: como o único efeito útil potencial da invalidação é o que se projeta no passado, é necessário que a norma tenha produzido efeitos relevantes antes de ter sido revogada, efeitos estes a que só com a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade se possa obviar de forma cómoda e segura.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=