TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Várias razões depõem a favor desta interpretação. Em primeiro lugar, se o fito da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição fosse o de restringir a legitimidade para suscitar a fiscalização da constitucionalidade a pedidos fundados na invasão pelos órgãos de soberania da esfera de competência das regiões autónomas, faria menos sentido o preceito incorporar o termo «direitos» das regiões autónomas – bastante extenso e ambíguo −, do que se referir simplesmente aos «poderes» destas. Em segundo lugar, se estivesse apenas em causa a defesa da dimensão externa da autono- mia regional – a esfera de competência das regiões −, não faria sentido condicionar a legitimidade somente em função do fundamento do pedido e não também do seu objeto, que nesse caso só poderia consistir em normas emanadas dos órgãos de soberania. Em terceiro lugar, a garantia da constitucionalidade de normas emanadas dos órgãos de poder regional que ponham em causa a dimensão interna da autonomia – a forma constitucionalmente prescrita do seu exercício − ficaria debilitada se a legitimidade para suscitar a fiscalização sucessiva abstrata fosse subtraída aos órgãos ou sujeitos que, nos termos da própria arquitetura constitucional dos poderes, se presumem mais empenhados em assegurá-la, quedando-se exclusivamente confiada a órgãos ou sujeitos de âmbito nacional. Por último, a interpretação restritiva dos «direitos das regiões autónomas», para efeitos da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, atinge em si mesma o princípio da auto- nomia regional na qual aqueles se fundam: negar a um décimo dos deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas – como são os requerentes nos presentes autos − a possibilidade de pedirem a aprecia- ção da constitucionalidade de normas que interferem com a autodeterminação da coletividade regional, ao mesmo tempo que tal possibilidade é inequivocamente conferida a um décimo dos deputados à Assembleia da República, consistiria na atribuição paradoxal a um poder heterónomo da legitimidade exclusiva de zelar pela integridade constitucional do processo autonómico. Por todas estas razões, só uma interpretação da cláusula dos «direitos das regiões autónomas» mais lata do que aquela que a jurisprudência constitucional vem admitindo − compreendendo a dimensão interna da autonomia regional, mormente o respeito pelas normas constitucionais que regulam o seu exercício – pode preservar a unidade fundamental de uma ordem constitucional que integra os princípios da unidade do Estado e da autonomia regional. Ora, deste ponto de vista, o funcionamento constitucionalmente adequado dos órgãos de governo próprio de uma região autónoma não pode deixar de ser concebido como um direito da região, para efeitos da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, independentemente de as nor- mas que o ponham em causa emanarem de órgãos de soberania ou regionais. No que respeita às normas que integram o objeto do pedido, a Constituição determina de forma expressa, no artigo 116.º, o funcionamento das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, tomando posição sobre o modo de apuramento do seu quórum deliberativo. E dificilmente poderá dizer-se que, ao regular tal matéria, não está a disciplinar uma dimensão essencial da autonomia regional – a forma democrática do seu exercício. Assim, deve reconhecer-se a legitimidade dos requerentes para pedirem a fiscalização das três normas que integram o objeto dos proces- sos, com fundamento no disposto no artigo 116.º da Constituição. 11. O n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM, na redação que lhe foi dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, foi alterado pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho, que estabelece outro regime de contagem de votos («[n]as deliberações tomadas nos termos do número anterior – preceitua o n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho −, os votos expressos pelos deputados presentes serão contados como representando o universo do respetivo grupo parlamentar, desde que estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar»). A norma que resultou desta alteração, embora não seja inteiramente diversa daquela que é objeto do pedido − pois mantém a previsão de um regime de contagem de votos que permite a imputação ao uni- verso do grupo parlamentar −, altera substancialmente os seus pressupostos e âmbito de aplicação. Por um lado, é agora aplicável apenas às «deliberações tomadas nos termos do número anterior» − o que restringe o seu domínio às «deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos à coordenação de
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