TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
161 acórdão n.º 171/21 Os requerentes no Processo n.º 364/20 identificaram a violação do disposto no artigo 159.º e do n.º 2 do artigo 116.º da Constituição como ofensas a direitos das regiões: «Ora, não se enquadrando o artigo 159.º e o artigo 116.º da CRP, dentro da epigrafe «Regiões Autónomas», estas matérias são, contudo, aplicáveis, diretamente, quer à Assembleia Legislativa, quer aos deputados dessas assembleias, uma vez que quer as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, quer os seus deputados, não podem estar sujeitos a normas que contrariem a Constituição. Se o Tribunal Constitucional considerar que nestas normas não estão conti- dos direitos das Regiões Autónomas, então podem estas, em teoria, legislar contra o previsto na CRP, uma vez que estas não podem ser alvo de escrutínio no que respeita a constitucionalidade das mesmas, por parte dos visados, que são os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.» Ora, as normas relativas ao funcionamento dos órgãos colegiais (artigo 116.º da Constituição) e aos deveres dos deputados à Assembleia da República (artigo 159.º da Constituição), não atribuem poderes às regiões autónomas. Na expressão do Acórdão n.º 645/13, as disposições constitucionais consubstanciam «uma norma geral de especificação dos mecanismos democráticos de proteção das minorias em face ao executivo – no caso, do Governo Regional correspondente – e não uma norma que defina qualquer parcela dos poderes jurídicos constitucionalmente conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, em concreti- zação do princípio da autonomia político-administrativa regional. A sua alegada violação não integra, por isso, a causa de pedir a que se encontra constitucionalmente subordinada a legitimidade do acionamento da fiscalização abstrata pelos deputados regionais.» É assim que se tem de concluir, se os direitos das regiões autónomas forem concebidos como os seus poderes constitucionais, oponíveis aos órgãos de soberania. Pode, todavia, questionar-se se os «direitos das regiões autónomas» cuja tutela justifica a legitimidade especial para requerer a apreciação da constitucio- nalidade consagrada na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição não admitem uma conceção mais ampla, que compreenda, não apenas a dimensão externa da autonomia regional, mas também a sua dimensão interna. Os «direitos» constitucionalmente consagrados das regiões, desse ponto de vista, não se esgotam na defesa da esfera de competência própria das regiões autónomas contra a ingerência dos órgãos de soberania, abrangendo também os direitos das comunidades regionais ao exercício da sua autonomia nos termos constitucionais. A autonomia regional surge-nos, nesta dimensão, não como princípio de independência face a um poder exterior ao seu âmbito, mas como princípio de autodeterminação da coletividade regional na sua esfera própria de atividade: os órgãos regionais realizam a autonomia das comunidades que representam na medida, e apenas nessa estrita medida, em que atuem segundo a forma ou pelo modo constitucionalmente estabelecidos. Ora, se a tutela da dimensão externa da autonomia regional se traduz de modo paradigmático na possibilidade de suscitar a fiscalização da constitucionalidade de normas emanadas dos órgãos de sobe- rania que ponham em causa os poderes regionais, já a tutela da dimensão interna impõe a possibilidade de os representantes constitucionalmente reconhecidos de interesses regionais suscitarem a apreciação da cons- titucionalidade de normas emanadas dos órgãos do poder regional que ponham em causa a conformação constitucional da autodeterminação da coletividade a que respeitam. Repare-se que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, pese embora reconduza os direitos das regiões aos poderes destas face à República, em certos arestos adota uma formulação mais ampla, aludindo aos «direitos que conformam constitucionalmente de modo direto a autonomia político-administrativa das regiões» (Acórdão n.º 645/13) − o que, em abstrato, permite considerar, como relevando dos direitos das regiões, aquelas normas constitucionais que integrem o estatuto constitucional da autonomia regional. Ora, sendo a organização democrática do poder inerente à autonomia regional – como poder de autogoverno através do exercício de competências político-legislativas próprias −, coloca-se a questão de saber se esta linha de raciocínio não deve ser estendida de modo a compreender os casos em que uma norma de fonte regional contrarie regras constitucionais sobre o funcionamento de órgãos colegiais (e que abrangem expressamente no seu âmbito as Assembleias Legislativas das regiões autónomas). Dissentindo da orientação largamente dominante na jurisprudência constitucional, respondemos a tal questão de modo afirmativo.
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