TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
16 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legislador» no Decreto em análise e tem pressuposta a identificação, na letra do n.º 1 do artigo 2.º, de três autónomos critérios (e dois subcritérios do segundo critério) quanto à não punibilidade da intervenção de terceiros na antecipação da morte de uma pessoa a seu pedido: i) que esta se encontre numa situação de sofrimento intolerável; ii) com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico (primeiro subcritério) ou doença incurável e fatal (segundo subcritério); iii) pra- ticada ou ajudada por profissionais de saúde; as questões colocadas pelo requerente respeitam ao pri- meiro critério, ao segundo critério, em particular, ao primeiro subcritério. III – Considerando o teor e a estrutura do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV, as diversas condições de que depende a passagem da fronteira da antecipação da morte medicamente assistida punível para a não punível, não podem deixar de ser vistas e compreendidas como uma unidade de sentido, sob pena de se manipular – ou mesmo atraiçoar – o pensamento legislativo; cada um dos critérios cumulativos de que depende a não punibilidade da colaboração voluntária dos profissionais de saúde na antecipação da morte de alguém a seu pedido não vale isolada e autonomamente; à completude estrutural da norma corresponde, por força do sentido prescritivo que a mesma encerra, uma unidade teleológi- ca impeditiva de uma segmentação – ou “fatiamento” – em que cada uma das condições (cumulativas) de acesso – ou critérios – à antecipação da morte medicamente assistida pudesse adquirir um sentido normativo autónomo suscetível de ser considerado isoladamente. IV – Por razões de ordem teleológica a previsão da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto consti- tui uma unidade de sentido que não se deixa reconduzir à soma dos diferentes critérios ou pressupos- tos nela estabelecidos como condição de atuação da estatuição (a descriminalização ou não punibilida- de de tal prática), sendo o todo daquela previsão mais do que a soma das suas partes; embora se admita que a pretensão do requerente aponta no sentido de que o juízo a proferir se deva cingir às normas (segmentos normativos), isoladamente consideradas, do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto n.º 109/XIV enunciadas no requerimento, não pode o objeto material do pedido deixar de ser recortado, para que verdadeiramente adquira sentido no quadro compreensivo em que se integra e justifica, na sua conju- gação com os demais elementos da previsão da norma. V – O fim precípuo do Decreto n.º 109/XIV, pelo menos no tocante à norma do artigo 2.º, n.º 1, foi o de deixar de punir a colaboração voluntária de profissionais de saúde na morte de uma pessoa a seu pedido, desde que realizada por profissionais de saúde com observância de determinadas condições materiais e procedimentais, libertando-os, desse modo, do dever de não matar ou de não ajudar ao suicídio de ter- ceiros; atendendo ao significado objetivo de tal prática – matar alguém a seu pedido ou ajudar alguém a suicidar-se – a discussão das condições concretas ou dos pressupostos da mesma prática só tem sentido – e só tem utilidade –, caso a mesma não seja, desde logo, e de per si , incompatível com a Constituição, nomea- damente com o disposto no seu artigo 24.º, n.º 1; a antecipação da morte medicamente assistida, pela sua própria natureza, contende obviamente com o valor da vida humana afirmado nesse preceito, pelo que tal questão, além de incontornável, é prévia a todas as demais expressamente colocadas pelo requerente. VI – A norma do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV configura na respetiva facti species , em alternativa, a antecipação da morte medicamente assistida não punível praticada por profissionais de saúde ou aju- dada por tais profissionais, tratando e valorando indistintamente aqueles tipos de condutas como uma única modalidade de ação: a antecipação da morte medicamente assistida; a alternativa resultante dessa opção legislativa deve ser compreendida e enquadrada no âmbito de um complexo quadro de regulação jurídica no qual se integra, em especial, numa dinâmica de interação entre o cidadão-doente e o Estado;
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