TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021

134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tais normas propostas violam, por isso, as disposições conjugadas dos artigos 161.º, alínea b) , 226.º, n.º 1 e 4, 231.º, n.º 5 da Constituição. III – A exigência constitucional de maioria dos membros presentes na tomada de deliberações É da essência da democracia permitir a proposta e a discussão de projetos políticos diversos, de modo que os deputados possam assumir um sentido de voto em consciência. O artigo 116.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa determina que “As deliberações dos órgãos colegiais são tomadas com a presença da maioria do número legai dos seus membros”. A Lei Fundamental estabelece, pois, um quórum deliberativo, por forma a impedir que as deliberações sejam tomadas por um número pouco representativo de membros do órgão, sem, todavia, dificultar excessivamente o processo deliberativo com quórum mais existente (neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constitui- ção da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, agosto 2010, p. 113 e segs.). Estabelecido constitucionalmente, é evidente que nem a lei nem os regimentos de cada órgão podem dispensar tal quórum ou estabelecer uma regra mais exigente. Tal consubstanciaria a violação daquele normativo constitu- cional ( idem ). A Lei Fundamental cuidou, também, de exigir expressamente a presença dos membros na tomada das delibe- rações. A base constitucional do princípio da maioria é o princípio democrático: deve prevalecer a posição sufragada pelo maior número. O poder político pertence ao povo (artigo 108.º da Constituição da República Portuguesa), mas o papel mediador, de formação e canalização da vontade popular é atribuído aos partidos (artigo 10.º do mesmo diploma fundamental). Por isso, não se pode admitir que a discussão dos projetos políticos seja entregue a deputados que remetem o cumprimento do seu importante papel somente para as horas vagas. O Plenário deve reconduzir-se à afirmação positiva da igual dignidade de todos os cidadãos e ao reconheci- mento de que a vontade soberana se forma no contraditório e na alternância. O Regimento tem de conformar-se com as normas constitucionais que regulam a organização do poder polí- tico, em particular, no que toca às Regiões Autónomas, o que não acontece com a atual versão do artigo 104.º, o qual se submete à fiscalização do Tribunal Constitucional. IV – Conclusões 1. De acordo com o artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira funciona em reunião plenária, achando-se presente 1/3 dos seus membros. 2. A atual redação do artigo 104.º, dada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República , 1.ª Série, n.º 85, de 30 de abril de 2020, permite que as deliberações sejam tomadas, não se encontrando presentes todos os deputados em efetividade de funções, contando-se os votos expressos como representando o universo do respetivo Grupo Parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 106.º. 3. Ao reduzir a vontade popular a um mero formalismo, é violado o Princípio de Estado de direito democrá- tico, assente na dignidade humana e na vontade popular, o que coloca em crise os artigos 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa. 4. A alteração ao artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira configura uma alteração violadora dos artigos 20.º, 27.º e 33.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. 5. Essa alteração ao imiscuir-se na reserva do Estatuto viola as disposições conjugadas dos artigos 161.º, alínea b) , 226.º, n.º 1 e 4, 231.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

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