TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
122 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É esta dimensão normativa que os recorrentes consideram violadora dos artigos 13.º (princípio da igualdade) e 20.º, n.º 1 (acesso ao direito e aos tribunais) e, ainda, dos artigos 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem ( ex vi artigo 8.º da Lei Fundamental). 7. O Tribunal Constitucional tem uma vasta e uniforme jurisprudência no sentido de que o legislador ordi- nário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso em processo civil, domínio em que a Cons- tituição não consagra o direito a um duplo grau de jurisdição (salvo, segundo algumas opiniões, em matéria de direitos, liberdades e garantias; cfr., por todos, Acórdão n.º 44/08, disponível, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt ). Todavia, com um primeiro limite decorrente da própria previsão constitucional de tribunais superiores: não é constitucionalmente tolerável que o legislador ordinário elimine pura e simples- mente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso. Mais especificamente, no que toca à irrecorribilidade em função da relação entre o valor da ação e a alçada dos tribunais, o Tribunal sempre entendeu que desse critério não resulta violação da Constituição (CRP), maxime , do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição). Assim, seguindo essa abundante jurisprudência já no âmbito do regime jurídico do processo de insolvência, decidiu-se no Acórdão n.º 348/08 não julgar incons- titucional a norma extraída do n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de que quando “o valor da ação de insolvência é inferior à alçada dos tribunais de 1.ª instância, não é admissível recurso ordinário da sentença”. Porém, além daquela genérica limitação à ampla discricionariedade do legislador na conformação do regime dos recursos em processo civil, designadamente quanto às próprias condições de admissibilidade, um outro limite (um limite interno) conhece essa liberdade de conformação, que decorre desde logo do princípio do Estado de direito (artigo 2.º da CRP) e, mais especificamente, do princípio da igualdade. Com efeito, como se recordou no Acórdão n.º 360/05, no processo civil, o que o legislador tem de assegurar sempre a todos, sem discriminações de ordem económica, é o acesso a um grau de jurisdição. Mas, se a lei previr que o acesso à via judiciária se faça em mais que um grau, tem ele que abrir a todos também a essas vias judiciárias, garantindo que o acesso a elas se faça sem discriminação alguma (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 163/90, de 23 de maio de 1990, Boletim do Ministério da Justiça n.º 397 – junho – 1990, p. 77). Aquela margem de discricionariedade (a ampla margem de discricionariedade na concreta conformação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo civil) tem, porém, como limite a não consa- gração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 202/99, de 6 de abril de 1999, Boletim do Ministério da Justiça n.º 486 – maio de 1999, p. 49). É a esta luz – da não consagração constitucional do direito a 2.º grau de jurisdição neste domínio, por um lado, e da proibição do arbítrio no estabelecimento do critério de recorribilidade, quando o legislador opte por abrir a possibilidade de recurso, por outro – que importa analisar o critério normativo adotado para rejeitar o recurso da decisão relativa à exoneração do passivo restante. 8. A exoneração do passivo restante é um dos aspetos inovadores do atual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 que aprova o Código, este «conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolven- tes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio da fresh start para as pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da “exoneração do passivo restante”. O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração das dívidas que não forem integralmente pagas no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste». Trata-se de um desvio à índole essencialmente adjetiva tradicional no nosso direito falimentar. Permite-se ao insolvente que seja pessoa singular, caso não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento mas cumpra as obrigações impostas para a satisfação possível dos credores, cedendo o seu rendimento disponível (artigo 239.º do CIRE), vir a ser exonerado das dívidas remanescentes. A exoneração tem por efeito a extinção dos créditos sobre a insolvência que
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