TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
115 acórdão n.º 123/21 «diretriz» fixada na decisão que a antecipação da morte só poderia ser admitida em caso de lesão definitiva e fatal – um conceito claramente menos extenso do que o que consta do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto. Ao afirmar simultaneamente a necessidade constitucional de uma delimitação restritiva dos casos de antecipação da morte medicamente assistida – no quadro de um «sistema legal de proteção orientado para a vida» − e a «insuficiente densificação normativa» do conceito de «lesão definitiva de gravidade extrema», dando como exemplos conceitos legais ostensivamente mais extensos (como «lesão incapacitante» ou «situa- ção de dependência»), creio que a maioria impõe ao legislador um ónus demasiado pesado. Embora acompa- nhe a ideia de que o «consenso científico» para o qual a lei remete a concretização do conceito de «lesão defi- nitiva de gravidade extrema» é perfeitamente espúrio – a decisão sobre a suficiente gravidade da lesão deve ser informada pela ciência, mas em última análise é de natureza judicativa −, tenho a maior dificuldade em entrever que outros conceitos o legislador poderia ter usado «sem perder plasticidade». Com esta decisão de inconstitucionalidade, a aprovação de um regime satisfatório neste domínio, para além dos casos de doença incurável e fatal – uma delimitação que julgo ser arbitrária −, será um desafio de dificuldade comparável a fazer passar um camelo pelo buraco de uma agulha. Acresce que o uso de conceitos mais precisos, ainda que porventura vantajoso no plano da segurança jurídica, pode bem suscitar delicados problemas de igualdade e de proporcionalidade, que não deixarão de convocar o escrutínio do juiz constitucional. O legislador será forçado a navegar entre Cila e Caríbdis. Por fim, creio que com esta decisão o princípio da determinabilidade das leis transforma-se num sig- nificante à deriva na jurisprudência, aliado conveniente na administração de uma justiça constitucional refugiada no casuísmo. A distância real entre a presente decisão e um juízo de inconstitucionalidade com fundamento na violação do n.º 1 do artigo 24.º da Constituição, interpretado como norma que protege a vida como valor objetivo, é bem mais pequena do que numa primeira análise se poderia supor. A grande diferença, no meu entender, é que só nesta última conceção – que merece a minha oposição – se pode dis- cernir uma verdadeira posição de princípio, congruente com a ideia básica, de especial relevância quando se trata de uma questão fraturante, de que a missão da jurisdição constitucional num regime democrático é a de civilizar o exercício do poder político através do uso da razão pública. Por isso, considero muito insatisfatória uma decisão baseada numa conceção largamente impressionista de determinabilidade das leis extraída do éter do artigo 2.º da Constituição, ademais estranha aos imperativos constitucionais específicos de tipicidade penal e fiscal, ao regime das restrições de direitos de liberdade e de natureza análoga, e ao domínio essencial da reserva de lei parlamentar – as três regiões do direito constitucional, no fim de contas, em que o conceito indeterminado de «determinabilidade» é razoavelmente determinável. – Gonçalo de Almeida Ribeiro. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, I Série, de 12 de abril de 2021. 2 – Os Acórdãos n. os 25/84, 173/85, 254/86, 427/87 e 158/88 estão publicados em Acórdãos, 2.º, 6.º, 8.º, 10.º e 12.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 285/95, 349/93, 592/93, 288/98 e 663/98 estão publicados em Acórdãos, 22.º, 25.º, 26.º, 40.º e 41.º Vols., respetivamente. 4 – Os Acórdãos n. os 596/99, 545/00, 41/04, 115/08 e 146/11 estão publicados em Acórdãos, 45.º, 48.º, 58.º, 71.º e 80.º Vols., respetivamente. 5 – Os Acórdãos n. os 296/13, 324/13 e 474/13 estão publicados em Acórdãos , 87.º Vol.. 6 – Os Acórdãos n. os 793/13, 587/14, 76/16 e 698/16 estão publicados em Acórdãos, 88.º, 91.º, 95.º e 97.º Vols., respetiva- mente. 7 – Os Acórdãos n. os 225/18, 606/18 e 20/19 estão publicados em Acórdãos, 101.º, 103.º e 104.º Vols., respetivamente.
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