TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 110.º Volume \ 2021
100 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL auxílio ao suicídio e de homicídio a pedido da vítima), noutras geografias colocou-se a questão de saber se é admissível, à luz das respetivas constituições, a criminalização total do auxílio ao suicídio. A essa pergunta, responderam os tribunais constitucionais alemão, austríaco e italiano em sentido negativo. Fizeram-no com alcances e fundamentações distintas, quanto a pontos importantes. No entanto, isso não justifica o afasta- mento, sem mais, que no Acórdão se faz da relevância da construção de standards comuns nesta matéria. Desde logo, porque a decisão do legislador português de manutenção da regra de incriminação do auxílio ao suicídio e do homicídio a pedido da vítima em nada desmente que a reflexão em torno da importante tensão entre vida e autonomia que está na base das decisões de outros tribunais seja mobilizada, com enorme utilidade, para a presente decisão. Uma coisa é discordar, fundamentadamente, das decisões de tribunais que o Tribunal Constitucional português habitualmente toma em consideração. Outra é afastá-las, com simplicidade, quase de plano, dizendo que não está em causa o mesmo problema. Está. Ainda que sob enquadramento jurídico-penal distinto (naturalmente, as incriminações vigentes nos vários ordenamentos não são iguais, colocando do lado da dogmática penal inquietações próprias a cada um), a problemática jusfundamental de fundo é exatamente a mesma. Assim, o Bundesverfassungsgericht ( BVerfG , acórdão de 26 de fevereiro de 2020 – 2 BvR 2347/15) reconhe- ceu, em termos amplíssimos, o direito fundamental a uma morte autodeterminada, entendido como expressão de liberdade pessoal, sublinhando que essa decisão de forma alguma acarreta uma compressão da dignidade da pessoa (constituindo, pelo contrário, a expressão final da prossecução da autonomia pessoal inerente à digni- dade humana). Na mesma linha, o Tribunal Constitucional da Áustria (G 139/2019-71, de 11 de dezembro de 2020) considerou que, tendo em consideração a importância, no quadro do respetivo ordenamento jurídico, da autodeterminação e da vontade da pessoa quanto à admissibilidade de tratamentos médicos, mesmo nos casos em que estes são indispensáveis para assegurar a vida, não se justifica, em face dos direitos constitucionais em jogo, proibir, sem exceção e em quaisquer circunstâncias, o auxílio ao suicídio. Por seu turno, o Tribunal Constitucional italiano ( Sentenza 242/2019 , de 25 de setembro de 2019), ainda que numa posição menos expansiva, julgou, também, inconstitucional, uma indiscriminada repressão penal da ajuda ao suicídio, em circunstâncias delimitadas, entendendo que se o fundamental “relevo do valor da vida não exclui a obrigação de respeitar a decisão do doente de pôr fim à própria existência, através da interrupção de tratamentos médicos – mesmo quando tal exija uma conduta ativa, pelo menos no plano naturalístico, da parte de terceiros (como o desligamento de equipamentos, acompanhado do subministro de sedação profunda contínua e de terapia da dor) – não há razão pela qual o mesmo valor deva traduzir-se num obstáculo absoluto, penalmente sancionado, ao acolhimento do pedido do doente de uma ajuda que permita subtraí-lo ao decurso mais lento – tido como contrário à própria ideia de uma morte digna – que decorra da dita interrupção dos mecanismos de suporte vital. Não é, pois, necessário, um reconhecimento do direito fundamental ao suicídio (que implicaria, no mínimo, a inconstitucionalidade da incriminação do auxílio ao suicídio e, no limite, deveres estaduais positivos no sentido de garantir o seu exercício), para entender que a absolutização da defesa da vida por parte do Estado, contra a vontade do titular do direito é, hoje, muito dificilmente compaginável com as exigências jurídico-cons- titucionais decorrentes dos direitos à autonomia e autodeterminação individuais. Por outro lado, a declinação da questão, no plano do direito comparado, não tem partido, como faz o presente Acórdão, da consideração da assistência na morte como uma restrição do direito à vida, ou da dimensão objetiva do bem vida. Dadas as premissas base das orientações que acima descrevemos, a conceção acolhida no Acórdão merece-nos viva recusa, posto que se defende, precisamente, uma (re)compreensão daquele direito, em termos que permitam articulá- -lo, de modo côngruo, com a liberdade e dignidade pessoais, reconhecendo que o direito à vida não equivale a um dever de viver em quaisquer circunstâncias. Por seu turno, o TEDH, no quadro da sua específica competência de garante dos standards mínimos de proteção dos direitos consagrados na CEDH, tem vindo a traçar um caminho de progressiva permeabilidade da Convenção às conceções favoráveis à descriminalização da morte assistida, conferindo uma importante margem de apreciação aos Estados em matéria de regulamentação jurídica do fim da vida e na busca de mecanismos de concordância prática entre “a proteção do direito à vida dos pacientes e a proteção do seu
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