TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
99 acórdão n.º 477/20 «A lei prevê categorias de pessoas que estão, de forma absoluta ou limitada, impedidas de exercitar, por si pró- prias, os respetivos direitos. Assim, anteriormente à entrada em vigor do estatuto do maior acompanhado, estabelecida na Lei n.º 49/2018, de 14/08, podiam ser interditos dos seus direitos, nos termos do artigo 138.º, n.º 1 do C. Civil, todos aqueles que, por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrassem incapazes de governar suas pessoas e bens. Na disciplina atualmente vigente, o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu com- portamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas no Código Civil (cfr. art. 138.º do CC). No que respeita ao valor dos atos praticados pelo interdito, como esclarecia Mota Pinto (...), não há que fazer distinção entre a hipótese de o incapaz vir a ser ulteriormente interdito e a hipótese de nunca chegar a ser decretada a interdição pois em qualquer das hipóteses é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos: 1) Que no momento do ato haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade, 2) Que a incapacidade natural seja notória ou conhecida do declaratário. Não basta a prova da incapacidade natural para se obter a anulabilidade destes atos, exigindo-se, para tutela da boa fé do declaratário e da segurança jurídica, a prova da cognoscibilidade da incapacidade. E, para efeito de obter a anulabilidade dos atos jurídicos, no regime pretérito, era importante ter em atenção três períodos: - os atos praticados depois do registo da sentença de interdição definitiva eram feridos de anulabilidade (art. 148.º); - na pendência da ação eram anuláveis se fossem praticados depois do anúncio da propositura da ação e se mostrassem prejudiciais (art. 149.º); - se praticados antes da propositura da ação, aplicava-se o regime da incapacidade acidental-(arts. 150.º e 257.º). No novo artigo 154.º do C.Civil, a solução é igual, com referência aos atos praticados após o registo do acom- panhamento, ao anúncio do início do processo de acompanhamento e ao período anterior a esse anúncio. Nos termos do revogado art. 901.º n.º 1 do C.P.Civil e atual art. 900.º, n.º 1, na decisão final, o juiz fixa, sempre que possível, a data a partir da qual se iniciou a necessidade de acompanhamento por se verificar aquela impossibilidade de exercer plenamente os seus direitos. Na hipótese de falecimento do requerido, na pendência da ação judicial, o revogado artigo 904.º n.º 1 do C.P. Civil possibilitava ao requerente solicitar o prosseguimento desde que já tivessem sido realizados o interrogatório e o exame, para o efeito de verificar se existia e desde quando datava a incapacidade alegada. A fixação da data provável do começo da incapacidade tem importância quando se pretende anular, em ação judicial, os atos praticados pelo requerido, realizados em data anterior ao anúncio do processo judicial. Como esclarecia A. dos Reis (...) presume-se que já existia a esse tempo a causa da interdição, restando provar que a anomalia mental era notória ou era conhecida do outro estipulante. Acrescentando, com interesse, que o alcance da expressão data provável é de que a presunção pode ser ilidida por prova em contrário. No caso de falecimento do requerido, a lei permitia, como acima se referiu, que o requerente obtivesse decisão sobre a existência da incapacidade e data provável do seu início, por constar do processo de interdição meios de prova (exame pericial e interrogatório do requerido) que permitiam ao juiz formular um juízo decisório. Por outras palavras, a demonstração da alegada incapacidade, através do exame médico e do resultado do interrogatório do requerido, podia ser aproveitada pelo requerente, facilitando-lhe, numa futura ação de anulação, a prova dessa factualidade e período temporal em que se verificou. No entanto, na atual redação do art. 904.º n.º 1 do C.P.C., pese embora a discordância manifestada pelo Conselho Superior da Magistratura,(...) foi eliminada a faculdade que anteriormente era concedida ao requerente
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