TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

97 acórdão n.º 477/20 Civil atribuía legitimidade ativa para a propositura da ação de interdição, podendo, neste contexto, considerar-se legítima a expectativa do requerente na aplicação da lei anterior, que lhe facultava uma vantagem probatória relevante para a tutela de interesses patrimoniais próprios. VII – Dando-se por assente – arguendo – que se verificam os dois primeiros requisitos, importa questionar se é razoável supor que os destinatários da lei fizeram planos de vida com base na expectativa de con- tinuidade do quadro legal, havendo três razões fundamentais para se concluir que esse investimento na confiança não ocorreu ou, a ter ocorrido, é de importância negligenciável: em primeiro lugar, a finalidade da ação de interdição era a tutela dos interesses do requerido e o seu efeito principal era de caráter prospetivo, pelo que ao propor a ação, o requerente não tinha em vista o evento – incertus quando – da morte do requerido, e menos ainda a sua ocorrência antes de proferida a sentença e após a realização do interrogatório judicial e do exame pericial; em segundo lugar, nada no atual quadro legal impede o requerente, caso tenha a qualidade de sucessor do interditando – e só nesse caso há um interesse digno de tutela –, de impugnar judicialmente a validade de negócios jurídicos celebrados pelo requerido antes da publicidade da ação, sendo a única diferença entre os dois regimes que agora o requerente não tem forma de se desonerar da demonstração da incapacidade na ação de anulação – no caso de invocar a incapacidade acidental do celebrante – ou, mais amplamente, de todos os pressupos- tos de qualquer uma das causas de anulabilidade previstas na lei de que se queira fazer valer em juízo, sendo esse o regime geral que vale para todas as ações desta índole, aliás aplicado desde sempre nos casos em que o interditando falecesse antes da realização do interrogatório judicial e do exame pericial; em terceiro lugar, nada parece obstar a que, tendo sido já realizado o exame pericial do interditando, o relatório do mesmo possa ser feito valer como elemento de prova em ação anulatória autónoma que o requerente venha a propor, sendo o putativo «investimento» feito pelo requerente na ação de inter- dição largamente transferível para outras ações destinadas à tutela dos seus interesses patrimoniais. VIII– Não se demonstraram os requisitos da proteção da confiança, pelo que se conclui pela inexistência de uma ofensa a um interesse na confiança digno de tutela constitucional, tanto bastando para se formar um juízo de não inconstitucionalidade; porém, ainda que assim não se entendesse, sempre seria de excluir o juízo de que a norma sindicada ofende o princípio da proteção da confiança, tendo em conta a reduzida intensidade do sacrifício imposto e as razões materiais da opção legislativa. IX – Quanto ao primeiro aspeto, no que respeita à norma sindicada nos presentes autos, o efeito retrospe- tivo é particularmente ténue, porque pelo menos um dos dois factos – a realização do interrogatório judicial e do exame pericial – de que a lei antiga fazia depender a faculdade de exigir o prosseguimento da ação na eventualidade de o requerido vir a morrer, também é «novo» ou «posterior» em relação à entrada em vigor da lei nova; na situação dos presentes autos, a eficácia da lei é essencialmente pros- petiva, limitando-se o efeito retrospetivo ou a conexão ao passado ao contexto – a ação pendente – em que os factos relevantes segundo a lei antiga ainda podem vir a ocorrer, sendo aqui o sacrifício da confiança, mesmo que se entenda verificar-se em alguma medida, necessariamente mínimo. X – Quanto ao segundo aspeto, a razão de ser da aplicação do novo regime aos processos pendentes pode encontrar-se numa ordem de considerações de primeira grandeza axiológica: a garantia de um proces- so equitativo; terá o legislador ponderado que é mais conforme às exigências de um processo equita- tivo que as ações de anulação, no caso da morte do requerido, sigam as regras gerais, nomeadamente em matéria de distribuição do ónus da prova e exercício do contraditório, sendo injusto que se sacri- fiquem interesses de terceiros normalmente salvaguardados pela lei para que o requerente possa gozar

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