TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
96 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aos efeitos que o decretamento da interdição venha a projetar nos atos praticados sob a vigência da lei antiga. III – Em causa está a lesão da expectativa na continuidade de um regime processual de que resultava para o requerente uma vantagem em futuras ações de anulação, tratando-se de uma questão de seguran- ça jurídica e proteção da confiança e não de uma restrição do direito de ação, porque, mesmo na ausência de sentença que verifique a existência da incapacidade, nada obsta a que o requerente, tendo legitimidade sucessória, procure anular negócios jurídicos celebrados pelo requerido, provando a inca- pacidade deste nos termos gerais; a aplicação imediata da lei nova limita-se a retirar ao interessado a oportunidade de beneficiar de uma presunção de incapacidade operativa nesse domínio, bem como um fundamento de anulação dos negócios prejudiciais ao requerido celebrados entre a publicidade da ação e a interdição. IV – O princípio da proteção da confiança diz respeito à tutela das expectativas dos destinatários dos atos da autoridade pública; do ponto de vista metódico, o controlo judicial baseado na proteção da con- fiança tem afinidades importantes com o que diz respeito às leis restritivas de direitos fundamentais; os três primeiros testes – situação de confiança, legitimidade da confiança e investimento na confiança – consubstanciam as condições necessárias e suficientes da afirmação de um interesse que, por ser digno de tutela constitucional, é relativamente resistente ao legislador; o quarto e último teste consubstancia um juízo de proporcionalidade. V – O primeiro teste da proteção da confiança respeita à questão de saber se o legislador terá «encetado comportamentos» aptos a gerar nos destinatários da lei expectativas de continuidade – neste caso, a continuidade do regime que atribuía ao requerente a faculdade de exigir o prosseguimento da ação, após a realização do interrogatório e do exame, na eventualidade da morte do requerente; não pode ignorar-se que só com a reforma da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto – que veio transformar profun- damente o direito substantivo em matéria de incapacidade de maiores –, se justificou a alteração do quadro legal adjetivo, de modo que a continuidade da solução legal anterior se deveu mais à inércia do legislador do que a uma opção política sucessivamente renovada; acresce que, quando esteja em causa a alteração do direito processual, vale como regra, nos termos do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, na ausência de normas de direito transitório, a aplicação imediata da lei nova aos processos pendentes – mais precisamente, aos atos futuros praticados em ações pendentes –, sendo razoável supor que os destinatários das leis processuais devessem contar com a possibilidade de alterações legislativas com efeito imediato, pelo que não pode dar-se por evidente que o legislador tenha criado uma situação de confiança. VI – Admitindo-se que a situação de confiança existia, cabe determinar se as expectativas de continuidade dos destinatários da lei eram legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; embora não repugne que, com a extinção da personalidade jurídica do interditando por morte, a ação perde a sua razão essencial de ser, remetendo-se a tutela dos sucessores do requerido para os meios gerais – o que depõe no sentido de que não havia boas razões para que os requerentes de ações de interditação, cujos interesses próprios tinham nelas relevância meramente reflexa, confiassem na continuidade de uma solução legal que representava um desvio em relação ao regime geral –, há uma razão que depõe no sentido contrário, assumindo-se a faculdade concedida pelo artigo 904.º, n.º 1, do Código de Proces- so Civil, ao facilitar a anulação de negócios jurídicos celebrado pelo interditando em vida, como uma forma de tutela dos interesses patrimoniais dos sucessores daquele, aos quais o artigo 141.º do Código
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