TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
90 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para além de constituir o domínio natural do exercício e desenvolvimento da atividade económica – exercício que, sendo especialmente afetado pela impossibilidade de resolução dos litígios patrimoniais em tempo útil, ao Estado compete igualmente garantir [artigos 61.º, n.º 1, 80.º, alínea b) , 81.º, n.º 1, alíneas a) , d) e e) , e 86.º, n.º 1, da Constituição] –, o mercado é, por natureza, uma esfera de intervenção multipla- mente regulada, tanto do ponto de vista dos atos que nele se praticam, como do estatuto das entidades que nele exercem a sua normal atividade. No caso das sociedades comerciais, tal estatuto é integrado, como vimos ( supra ponto 17.), pelo ónus de indicação e de atualização do local onde funciona a respetiva sede no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, em ordem a garantir a proteção dos interesses dos sócios e de terceiros. Constituindo a sede registral o domicílio oficial – na verdade, o único domicílio oficial – das sociedades comerciais, nada há de disfuncional ou estranho no facto de o legislador ter optado por lhe atribuir decisiva relevância para efeitos judiciais, com particular incidência no regime de citação. Com efeito, não se trata aqui da criação artificiosa de um domicílio judicial necessário para efeitos de citação, mas apenas de tornar também judicialmente relevante o domicílio próprio das sociedades comerciais, ao qual a ordem jurídica já atribui um amplo conjunto de efeitos de outra ordem. Do ponto dos limites traçados pelo princípio constitucional da proibição de indefesa, decorrem daqui importantes consequências quanto à garantia da segurança e fiabilidade do ato – o segundo dos dados extraí- veis da jurisprudência do Tribunal Constitucional. 23. Tal como reconhecido nessa jurisprudência, a citação ou notificação, quando realizada por via pos- tal simples, não garante com absoluta certeza que o réu ou requerido tomou efetivo conhecimento do ato que lhe foi transmitido desse modo; apenas permite concluir, verificados certos pressupostos, que o réu ou requerido provavelmente a recebeu ou que, atuando com a diligência de um bom pai de família, a podia ter recebido. Todavia, dessa jurisprudência resulta também que a Constituição, no seu artigo 20.º, não proíbe em absoluto que o legislador extraia de determinados factos certos a presunção de que o réu ou requerido tomou ou podia ter tomado conhecimento do ato de citação ou notificação de modo a exercer em tempo o direito de defesa. O que lhe impõe é que, por um lado, faça assentar essa presunção em elementos fiáveis e seguros e, por outro, não vede ou inviabilize na prática a ilisão dessa presunção (cfr. Acórdão n.º 773/19). Ora, ambas as condições podem dar-se aqui por verificadas. Quanto à primeira, cumpre notar que o domicílio que releva para efeitos de citação, para além de ser ape- nas um – o que distingue a solução aqui sindicada das hipóteses apreciadas nos Acórdãos n. os 104/06, 632/06, 227/17 e 99/19, aproximando-a das normas julgadas nos Acórdãos n. os 91/04, 243/05, 582/06, 108/19, 773/19 e 280/20 –, está longe de ser um domicílio qualquer. Correspondendo à sede registral da sociedade demandada, o domicílio escolhido constitui uma garantia suficientemente fiável e segura de que, quando realizado por depósito do expediente no correspondente recetáculo postal, o ato de citação é colocado na «área de cognosci- bilidade» da citanda, em termos de lhe possibilitar o exercício eficaz do direito de defesa. É certo que a citação por depósito da carta ou do aviso no recetáculo postal não assegura a certeza de que a sociedade citanda tomou efetivo conhecimento da ação contra si proposta nos termos em que a citação por contacto pessoal o faz – em matéria de citação, esta constituirá, pode dizer-se, o ponto ótimo da realização do direito de defesa, na sua função de imperativo constitucional de tutela. Simplesmente, certo é também que, ao considerar a sede registral da sociedade citanda para efeitos do depósito da carta ou do aviso, o procedimento em causa também não se basta com uma probabilidade remota ou vaga de conhecimento da citação pela demandada. Pelo contrário: uma vez que o domicílio em que o expediente é depositado é aquele que a sociedade já se encontra obrigada a assegurar e a publicitar para vários outros fins (vide supra ponto 17), é mais do que razoável supor-se a ocorrência de visitas frequentes ao recetáculo postal que lhe corresponda ou, nos casos em que a atividade empresarial desenvolvida não é por natureza situável ou em que se verifique uma transitória falta de coincidência entre a sede registral e a sede de
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