TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
85 acórdão n.º 476/20 Com efeito, além de assegurar a todos o direito de ação propriamente dito (n.º 1), o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva ali consagrado encerra outras dimensões, designadamente o princípio do processo equitativo, explicitado no n.º 4 do artigo 20.º após a revisão de 1997, em cujo âmbito se integram os princípios do contraditório e da igualdade de armas. O princípio do contraditório – do qual decorre, em primeira linha, a chamada regra da proibição da indefesa – postula que a ambas as partes seja assegurada possibilidade de participar no desenrolar do processo e de influir na dirimição do litígio, em termos de cada uma delas «poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras» (cfr. Acórdão n.º 444/91). Encontrando-se legislador vinculado a assegurar a ambos os litigantes a faculdade de exercer, em con- dições de tendencial paridade, uma influência efetiva no modo de conformação da lide, percebe-se que a modelação do regime das citações e das notificações constitua um dos domínios em que o exercício da liber- dade de conformação do legislador maior tensão pode causar no confronto com os limites que decorrem da ordem jurídico-constitucional. 19. Desde as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 183/2000 no anterior CPC, o Tribunal Constitucional foi sendo sucessivamente chamado a pronunciar-se sobre a possibilidade de realização da citação por via postal simples, através do depósito do expediente no recetáculo postal do citando, que o referido Código acolheu no âmbito do regime geral de citação até à modificação operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003. Fê-lo, pela primeira vez, no Acórdão n.º 287/03 que julgou inconstitucional, «por violação dos prin- cípios da “proibição da indefesa” e do “processo equitativo”, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 238.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de, em ação declarativa que se segue ao procedimento de injunção em que se frustrou a notificação por carta registada com aviso de receção do requerido, e não havendo estipulação de domicílio no contrato de que emerge a pretensão condenatória, dever o réu ser imediatamente citado por via postal simples, sem que o tri- bunal deva averiguar previamente, por consulta das bases referenciadas no n.º 1 do mesmo artigo 238.º do CPC, se a residência indicada pelo credor coincide com o teor dos registos públicos constantes daquelas bases ». No que aqui especialmente releva, considerou-se em tal aresto que o legislador, com aquele regime, «em que não há qualquer comprovação de exatidão do dado referente ao domicílio do réu ( não se consultam as bases referidas no artigo 238.º, n.º 1, do CPC ), torna[va] extremamente oneroso ou mesmo impossível a ilisão da presunção do depósito da carta simples no recetáculo postal daquele domicílio (a prova de um facto negativo)», tanto mais que «a certificação do depósito [era] feita pelo distribuidor do serviço postal que (...) ‘não pode consi- derar-se um funcionário público provido de fé pública’» (itálico aditado). Justamente por essa razão, foi de sentido oposto o julgamento realizado no Acórdão n.º 91/04, que não se pronunciou pela inconstitucionalidade da «norma do n.º 2 do artigo 238.º do Código de Processo Civil interpretada no sentido de, após consulta das bases de dados referidas na legislação aplicável , considerar efetuada a citação por carta simples, quando não foi possível fazê-la por carta registada com aviso de receção» (itálico aditado), juízo este reiterado nos Acórdãos n. os 91/04, 243/05 e 582/06, e recapitulado no Acórdão n.º 182/06, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 236.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação dada pelo Decreto Lei n.º 183/2000, que acolheu a citação por via postal simples como moda- lidade-regra nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos reduzidos a escrito independentemente do valor. Assente que a consideração do domicílio oficial do citando, obtido através de consulta das bases de dados existentes junto de determinadas entidades públicas, constituía um pressuposto indispensável da con- formidade constitucional de qualquer regime de citação por simples depósito do expediente no recetáculo postal do citando, o problema subsequentemente debatido na jurisprudência do Tribunal foi o de saber se o juízo formulado no Acórdão n.º 91/04 poderia manter-se no caso a citação ter ocorrido por «mero depósito
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