TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
83 acórdão n.º 476/20 É o ónus imposto pela alínea d) do artigo 6.º do RJRNPC e, em particular, os efeitos que o legislador se encontra constitucionalmente autorizado a associar-lhe em matéria de citação das sociedades comerciais, que importa considerar nos pontos seguintes. 16. À semelhança das demais pessoas coletivas, as sociedades aparecem no mundo do direito como uma unidade organizatória funcionalmente constituída, que é centro autónomo de imputação de direitos e de deveres. Enquanto organizações de pessoas e bens dotadas de personalidade jurídica e vinculadas à prosse- cução de determinada atividade económica com vista à obtenção e repartição dos lucros daí resultantes, as sociedades comerciais não são entidades abstratas, mas sujeitos situados, alguém que está. A localização da sociedade constitui, assim, um elemento da máxima relevância, tanto do ponto de vista da tutela dos interesses próprios da organização, como do da prossecução do interesse geral na segurança do comércio jurídico, que pressupõe a percetibilidade por todos os intervenientes no tráfego do lugar através do qual a interação com os demais pode ocorrer. De um modo geral, o direito aproveita para este fim «a conexão mais estável de cada pessoa com um determinado espaço geográfico para fazer deste o centro das suas relações jurídicas»: no caso das pessoas singulares, através do que denomina por domicílio, e, no caso das pessoas coletivas, através do lugar que, resultando da escolha dos sócios, constitui a sua sede (cfr. Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 1986, 2.ª edição, p. 220). A sede social ou o domicílio da sociedade é, assim, o lugar onde a mesma «se considera situada para a generalidade dos efeitos jurídicos em que a localização seja relevante» (cfr. Raúl Ventura, A sede da socie- dade, no direito interno e no direito internacional português, Separata da Scientia Ivridica , XXVI, 1997, p. 3), devendo « corresponder ao centro de vida da sociedade, ao local onde se tem por contactada sempre que for preciso comunicar com ela, nomeadamente através de comunicações oficiais » (cfr. Paulo Olavo Cunha, Direito das Socie- dades Comerciais , Almedina, 2006, p. 80, itálico aditado). Nesta medida, compreende-se que a indicação da sede da sociedade constitua, desde logo, um dos ele- mentos de menção obrigatória no ato da sua constituição (artigo 9.º do Código das Sociedades Comerciais, doravante designado pela sigla «CSC»), originando, quando ausente, a nulidade do contrato de sociedade por quotas, anónima ou em comandita por ações registado, ainda que objeto de registo definitivo, embora sanável por deliberação dos sócios nos termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato (artigos 42.º e 43.º). Tal como se compreende que a sede da sociedade deva ser estabelecida em local con- cretamente definido e constitua o seu domicílio (artigo 12.º do CSC), com exclusão da possibilidade da sua localização em meros apartados ou caixas postais (neste sentido, Paulo Olavo Cunha, ob. cit. , p. 80). A sede estatutária, é, além, do mais, aquela que a sociedade se encontra obrigada a indicar – e a indicar «claramente» – em «atos externos», como sejam «contratos, correspondência, publicações, anúncios, sítios na Internet e de um modo geral em toda a [demais] atividade» (artigo 171.º, n.º 1, do CSC), por forma a garantir a respetiva publicidade. 17. Ao estabelecer a obrigatoriedade de indicação da sede no pacto constitutivo, a lei exclui a possibi- lidade de se considerar como sede da sociedade o local que, depois disso, venha a ser escolhido, sucessiva e informalmente, pelos respetivos administradores. Estas seriam sempre sedes de facto, sem aptidão para se sobreporem à sede de direito, que é a estabelecida no pacto constitutivo e apenas pode ser substituída mediante alteração estatutária (cfr., neste sentido, Pinto Furtado, op. cit. , p. 221). No ordenamento jurídico português, são inúmeros os efeitos jurídicos que a lei associa à localização da sociedade, de acordo com a sua sede estatutária. Para além da determinação do local de citação das pessoas coletivas, tais efeitos incluem ainda, entre outros: (i) a impossibilidade de a sociedade que tenha em Portugal a sede estatutária opor a terceiros a sua sujeição a lei diferente da lei portuguesa (artigo 3.º, n.º 1, do CSC); (ii) a investidura judicial em cargos sociais (artigo 1071.º do CPC); (iii) fixação do local onde tem lugar a consulta de documentos respeitantes
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