TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
77 acórdão n.º 476/20 e muito, à entrada em vigor daquele novo regime de citação», tendo-se «frustrad[o] a realização da citação ao abrigo do regime processual vigente na data em que foi requerida», o tribunal recorrido optou por não o fazer. Mais do que a questão de saber se a solução que passou a decorrer do n.º 4 do artigo 246.º do novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, quando aplicada a procedimentos de citação já iniciados ao abrigo do regime anterior, suscitaria efetivas reservas de constitucionalidade, o tribunal a quo preferiu sindicar dire- tamente o próprio regime de citação das pessoas coletivas emergente daquela Lei, independentemente do momento em que o ato se haja iniciado ou tenha sido requerido no processo. Uma vez que o juízo de inconstitucionalidade que recaiu sobre a norma sindicada foi, na verdade, o único a ser formulado, expressa ou implicitamente, pelo tribunal recorrido, o respetivo pronunciamento não integra qualquer outro fundamento para além da recusa de aplicação dos n. os 2 e 4 do artigo 246.º e do n.º 5 do artigo 229.º, todos do CPC, na interpretação acima enunciada, o que permite afastar quaisquer eventuais dúvidas quanto à utilidade do conhecimento do objeto do recurso. B. Do mérito 10. A questão suscitada no âmbito do presente recurso consiste em saber se a Constituição veda ao legislador ordinário a possibilidade de, ao conformar o regime de citação das sociedades comerciais, admitir que a mesma se efetive através do mero depósito do expediente na caixa postal da morada correspondente à sede da citanda, constante do ficheiro central de pessoas coletivas do respetivo Registo Nacional, caso a carta registada previamente expedida tenha sido devolvida com a menção “ Mudou-se ”. A resposta a tal questão não dispensa uma análise, ainda que breve, do atual regime de citação das pessoas coletivas inscritas no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. No seu n.º 1, o artigo 219.º do CPC (salvo indicação em contrário, todos os artigos doravante mencio- nados referem-se ao CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), define a citação como «o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender», empregando-se ainda «para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa». À citação encontram-se ainda associados outros importantes efeitos, como seja a cessação da boa fé do possuidor, a estabilização dos elementos essenciais da causa e a inibição do réu propor contra o autor ação destinada à apreciação da mesma questão jurídica [alíneas a) a c) do artigo 564.º], bem como a interrupção da prescrição e a constituição do devedor em mora, nos termos previstos, respetivamente, nos artigos 323.º e 805.º do Código Civil. Tendo por principal função integrar o demandado na relação processual, a citação constitui, nas palavras de José Lebre de Freitas, «um ato fundamental de comunicação entre o tribunal e o réu, misto de declaração de ciência e de ato jurídico constitutivo, com a tripla função de transmissão de conhecimento, de convite à defesa e de constituição do réu como parte». Na medida em que «[s]em ela não é assegurado o direito de defesa, consagrado como fundamental, ao lado do direito de ação, no art. 20 da Constituição da República», a «lei ordinária cuida, com minúcia, de a regular de modo que possibilite ao réu o conhecimento efetivo do processo instaurado» (cfr. Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 139). Uma vez que o ato de citação constitui o principal instrumento de realização do princípio da proibição da indefesa, percebe-se que o mesmo se encontre obrigatoriamente sujeito a um conjunto de formalidades e requisitos procedimentais próprios, necessariamente dotados de garantias de segurança e fiabilidade. A observância de tais formalidades, essenciais ou não, é assegurada pelo tribunal, ao qual incumbe orde- nar a repetição do ato sempre que detete nele quaisquer irregularidades (artigo 566.º), em todos os casos em que o demandado não intervenha por qualquer forma no processo.
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