TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
699 acórdão n.º 754/20 De acordo com o n.º 2 do artigo 19.º da LFP, «as despesas da campanha eleitoral são discriminadas por categorias, com junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa», o que a Candidatura (os arguidos) fizeram, ao juntar as respetivas notas de débito com o nome, a data, os dias e o valor/dia, a que se reportavam as respetivas despesas com as ajudas de custo. Sendo, como é, propósito essencial da atividade da ECFP garantir, nesta área de fiscalização, que não ocorrem financiamentos ocultos, isto é, que as campanhas e os Partidos não recebem dinheiro em condições suscetíveis de comprometer a democraticidade das eleições e a genuinidade dos resultados eleitorais, não parece haver espaço para as dúvidas da Entidade. A ECFP parece impressionada com a circunstância de poder ter ocorrido uma duplicação de pagamen- tos, pois que a Campanha teria já suportado todas as despesas relativas a deslocações, estadias e refeições, pelo que o pagamento de ajudas de custo seria indevido. Sucede, porém, que não parece caber na competência fiscalizadora da ECFP, apurar a correção jurídica, financeira e tributária dos pagamentos efetuadas. Que faria se o Partido tivesse designado as prestações em causa prémios de produtividade ou compensações pela isenção de horário de trabalho, como poderia ter feito? É que estas prestações também não carecem de discriminação daquilo que o trabalhador efetivamente faz para a elas ter direito. É por isso que são de montante ou valor percentual fixos. Assim sendo, considera-se comprovado o motivo da despesa, não tendo a ECFP aditado qualquer argu- mento que comprovasse a desrazoabilidade do montante a título de ajudas de custo, pelo que o dolo na atuação dos arguidos fica também excluído, por não verificação da violação dos deveres de que vinham acu- sados. Aliás, é a própria ECFP que assume como razoável e suficientemente comprovadas as mesmas despesas relativamente ao pessoal contratado pela campanha. Na verdade, não se compreende a razão de apenas se pretender sancionar as ajudas de custo ao pessoal cedido pelo PCP e não àquele diretamente contratado pela campanha. Como dissemos noutro ponto, e aqui repetimos, a jurisprudência constitucional é clara quanto ao entendimento de que, em matéria de regularidade e legalidade das contas, a apreciação que deve ser levada a cabo sê-lo-á à luz de critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que a lei do financiamento dos partidos pretende tutelar – e não por simples aplicação de critérios de natureza estritamente económico-fi- nanceira. Tal decorre da circunstância da intervenção do Tribunal Constitucional haver de ser entendida como uma forma de assegurar, no respeito pela liberdade de organização e ação dos partidos políticos, o cumpri- mento por estes das suas funções constitucionais, em observância do quadro de valores que a Constituição e a lei impõem ao seu exercício. V – Decisão Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto por Edgar Freitas Gomes da Silva (Can- didato às Eleições Presidenciais 2016) e Maria Manuela Simão Pinto Ângelo Santos (Mandatária Financeira) e, consequentemente, absolver os mesmos da prática da contraordenação consistente na violação dolosa dos deveres previstos nos artigos 12.º, n.º 3, alínea c) , ponto i) , ex vi do artigo 15.º e 19.º, n.º 2, da LFP, punível nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do mesmo diploma, revogando, pois a correspondente decisão sancionató- ria da ECFP. O relator atesta o voto de conformidade ao presente Acórdão do Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e dos Conselheiros José António Teles Pereira e Maria de Fátima Mata-Mouros; e os votos de vencido dos Conselheiros Fernando Vaz Ventura (que juntou ao processo declaração de voto) e Lino Ribeiro (que para esta remeteu) - João Pedro Caupers.
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