TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
697 acórdão n.º 754/20 artigo 19.º da mesma lei exige-se que as despesas da campanha eleitoral sejam discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa. Como se afirmou no Acórdão n.º 177/14, «não se verifica “uma correspondência perfeita entre os deve- res que o Capítulo III da Lei n.º 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima”» (vide ainda Acórdãos n. os 417/07, 77/11 e 139/12). Por conseguinte, nem todas as ilegalidades e irregularidades verificadas na decisão relativa à prestação de contas serão relevantes no plano contraordenacional, nos termos dos artigos 30.º a 32.º da LFP. Como se refere no mesmo Acórdão: «(…) apesar de a violação da Lei n.º 19/2003, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais, poder resultar do incumprimento de qualquer um dos deveres específicos que as suas normas impõem ou da violação do dever genérico de organização contabilística, apenas são passíveis de coima aquelas condutas que sejam subsumíveis à previsão tipificadora dos artigos 30.º a 32.º do referido diploma legal. Com efeito, ao invés do que resultaria de um tipo geral aberto, construído de modo a tornar sancionável a violação, em si mesma e enquanto tal, de qualquer um dos deveres resultantes da Lei n.º 19/2003, os tipos legais que integram o regime jurídico do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais contêm, eles próprios, uma descrição da conduta proibida que estrutura a própria definição do ilícito». Assim, importa começar por verificar se a irregularidade constatada na decisão relativa à regularidade das contas da campanha preenche ou não os elementos objetivos e subjetivos previstos no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, cujo incumprimento foi imputado aos arguidos. Sob a epígrafe «Não discriminação de receitas e de despesas», determina o artigo 31.º, n.º 1, da LFP: «1 – Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS». Como resulta do teor da norma, o elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação consiste na prestação de contas de campanha eleitoral sem “discriminação” ou sem a devida comprovação das respe- tivas receitas e despesas. Assim, não está em causa qualquer violação dos deveres legais de organização con- tabilística a que obedecem as contas das campanhas eleitorais, mas apenas e tão só a violação de tais deveres que se traduza na ausência de “discriminação” e/ou de devida comprovação da receita ou despesa em causa. Relativamente ao elemento subjetivo, o tipo do artigo 31.º da LFP é estruturalmente doloso, admitindo a verificação do dolo em qualquer uma das três modalidades que dogmaticamente lhe estão associadas, ou seja, dolo direto, necessário ou eventual. Volvendo ao caso dos autos, provou-se que nas contas apresentadas pela candidatura às eleições presi- denciais de Edgar Silva existem despesas com ajudas de custo de pessoal cedido pelo PCP. Ficou igualmente provado que esses trabalhadores eram funcionários do Partido. A ECFP entendeu que o descritivo da documentação de suporte a essas despesas «não contém o detalhe da despesa e o respetivo motivo subjacente, razão pela qual não é suficiente para demonstrar que tais des- pesas correspondem a despesas relativas à Campanha eleitoral», uma vez que «apesar de pressuporem uma atividade geradora de custos acrescidos, não contêm qualquer elemento que permita identificar os serviços prestados, nem mapas de controlo de horas, deslocação a que respeitam e/ou ação de campanha no âmbito da qual terá sido realizada». Concluindo, deste modo, que os arguidos praticaram a contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
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