TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
680 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por conseguinte, a tutela do direito fundamental de acesso a cargos públicos eletivos será sempre favore- cida pela adoção de um regime robusto de incompatibilidades, se através deste for possível atingir as mesmas finalidades que, com a previsão de situações de inelegibilidade, se pretendem alcançar. Com efeito – supondo que é possível distinguir inelegibilidades de incompatibilidades, e que uma tal distinção acha reflexo na nossa Lei Fundamental [vide, v. g. , os artigos 117.º, n.º 2, 150.º, 154.º e 160.º, n.º 1, alínea a), da Constitui- ção] – é de reconhecer que, como afirma Maria Benedita Urbano, «as incompatibilidades, ao contrário do que sucede com as inelegibilidades, não constituem impedimentos jurídicos que precludem ao candidato a possibilidade de vir a ser validamente eleito.» (vide Urbano, Maria Benedita, Representação Política e Parla- mento – Contributo para uma Teoria Político-Constitucional dos Principais Mecanismos de Proteção do Mandato Parlamentar, Almedina, Coimbra, 2009, p. 395). Tal como esclarece a mesma Autora, a elegibilidade «impõe limites à possibilidade de as pessoas poderem concorrer a uma eleição política e ainda à possibilidade de virem a ser validamente eleitas.», enquanto «[o] que está em jogo com as incompatibilidades é a possibilidade de os candidatos validamente eleitos poderem conservar o seu mandato – sendo certo que essa possibilidade deverá existir sempre, desde que o eleito faça uma opção nesse sentido ou, dito de outro modo, desde que abdique das outras funções ou atividades incompatíveis com o mandato parlamentar.» ( ibidem , p. 361). No que respeita à «preocupação imediata subjacente a cada uma destas figuras», esclarece ainda a Autora (vide op. cit. , pp. 393-394): «[P]oder-se-á dizer que, com o instituto das inelegibilidades – mais relacionado com o momento da aquisição do mandato (e portanto mais dirigido ao candidato) –, pretende-se sobretudo salvaguardar a escolha livre e escla- recida dos representantes parlamentares por parte dos eleitores. (…) Quanto ao instituto das incompatibilidades – mais relacionado com o exercício e a conservação do mandato parlamentar (e portanto dirigido já ao parlamentar eleito) – visa-se basicamente a proteção do parlamento por via dos seus representantes individuais e dos mandatos que eles exercer. Com as incompatibilidades, pretende-se evitar os inconvenientes que sempre resultarão da duplicidade de funções – tais como a confusão de poderes, a confusão de interesses, o absentismo e a falta de eficiência e qualidade do trabalho parlamentar, derivados da impossibilidade material de se exercerem em simultâneo várias atividades igualmente absorventes, etc.» Ora, a incompatibilidade do exercício do mandato de deputado à Assembleia da República com o exer- cício do mandato de deputado à Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores encontra- -se expressamente prevista na lei, bem como a perda do mandato na eventualidade de os deputados eleitos serem feridos por alguma das incompatibilidades legalmente previstas [cfr. os artigos 8.º, n.º 1, alínea a) e 20.º, n.º 1, alínea d) , do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei n.º 7/93, de 1 de março; e o artigo 8.º, n.º 1, alínea a), e 22.º, n.º 1, alínea d), do Regime de Execução do Estatuto dos Deputados da Assem- bleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 19/90/A, de 20 de novembro]. Estes mecanismos devem considerar-se, por si só, aptos a assegurar o regular exercício dos cargos eletivos em questão, não se vislumbrando que a inelegibilidade especial consagrada no n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA seja necessária para garantir a liberdade de escolha dos eleitores ou qualquer outro interesse público digno de tutela, que não se encontre já adequadamente protegido pelo regime de incompatibilidades em vigor. É certo que a circunstância de estar já a exercer o mandato de deputado à Assembleia da República poderá ser entendida como um indício de indisponibilidade efetiva para exercer o mandato de deputado à Assembleia Legislativa Regional, ou de que o candidato se encontra em condições privilegiadas face aos demais candidatos. No entanto, a circunstância de um candidato estar a exercer o mandato de deputado à Assembleia da República é pública e facilmente cognoscível pelos eleitores, que poderão livremente formar a sua convicção quanto à escolha de um tal candidato, ponderando livremente esse dado. Impõe-se, assim, reiterar que a norma em apreço é inconstitucional por impor uma restrição despropor- cional ao direito fundamental de acesso a cargos públicos, em violação dos artigos 50.º, n.º 3, e 18.º, n.º 2,
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