TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

679 acórdão n.º 488/20 um princípio constitucional geral (cfr. por todos Acórdão n.º 4/84, Diário da República , II Série, de 30 de abril de 1964). Contudo, há que averiguar se se verificam os requisitos constitucionais para a restrição de direitos fundamentais, enunciados no artigo 18.º da Constituição, designadamente quanto à identificação dos “direitos ou interesses consti- tucionalmente protegidos” que justifiquem tal sacrifício, e quanto à observância do princípio da proporcionalidade. Quanto ao primeiro ponto afigura-se, desde logo, não poderem considerar-se relevantes, quando aplicados a situação em presença – deputado a Assembleia da República que se candidata às eleições regionais – nem um eventual argumento relativo à possibilidade de lesão da independência da função de deputado à Assembleia da República, nem um eventual risco de influência sobre o eleitorado derivado daquele cargo, a qual, a existir, sempre se teria de considerar, por um lado, como despicienda e, por outro lado, como natural. É certo que sempre se poderia invocar a favor da legitimidade constitucional de tal inelegibilidade a necessidade de impedir a verificação da situação de duplo mandato (de deputado à Assembleia da República e de deputado a uma assembleia regional); mas é fácil ver que para obviar a essa situação concedendo, sem discutir, existir relevância neste argumento não seria necessário recorrer a solução de inelegibilidade. Bastaria uma de duas soluções: ou estabelecer uma incompatibilidade de exercício simultâneo aos dois mandatos ou mesmo uma incompatibilidade de detenção simultânea dos dois estatutos, obrigando o interessado a suspender ou a renunciar a um dos mandatos, ou determi- nando a própria lei a suspensão ou perca automática, de um deles. Trata-se de soluções que são correntes na nossa legislação para hipóteses semelhantes, podendo entre outros mencionar-se o artigo 4.º do Estatuto dos Deputados à Assembleia da República (Lei n.º 3/85, de 13 de março), o artigo 5.º, n.º 4.º, da lei eleitoral das autarquias locais (Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 757/76, de 21 de outubro) e o próprio artigo 4.º do Estatuto dos Deputados da Região Autónoma dos Açores (Decreto Legislativo Regional n.º 13/88/A, de 6 de abril de 1988), o qual vale a pena notar – determina a suspensão automática do mandato do deputado regio- nal que vier a desempenhar funções de deputado à Assembleia da República (sendo certo que nem a lei eleitoral da Assembleia da República impede a candidatura de deputados regionais nem o Estatuto dos Deputados da Assembleia da República prevê qualquer incompatibilidade de exercício dos dois mandatos). Por outro lado, e no respeitante à lição que do direito comparado pode colher-se para a questão em aprece, foi possível apurar que em Itália apenas se verifica uma situação de “incompatibilidade” entre os cargos de membro de qualquer das Câmaras (Câmara dos Deputados e Senado) e de membro de um Conselho Regional (Livio Pala- din, Diritto Regionale , 4.ª edição, Pádova, 1985, pp. 301 e seguintes) e que na República Federal da Alemanha (numa situação, portanto, de “federalismo” estadual e não de mera “regionalização”) nem sequer uma semelhante incompatibilidade existe entre os cargos de deputado ao Bundestag  e deputado ao Parlamento de um Land, antes se admitindo aí o chamado “duplo mandato” (cfr. Norbert Achtenberg, Parlamentsrecht , Tubingen, 1984, pp. 232). (…) Por conseguinte, é de concluir que a solução de inelegibilidade sempre seria manifestamente excessiva, visto que a prossecução daquele mencionado interesse público (impedir situações de duplo mandato), suposto que ele tem proteção constitucional, não exige medida tão drástica. Tem por isso de concluir-se pela inconstitucionalidade da norma referida, pelo que se recusa a sua aplicação devendo considerar-se consequentemente elegível o candidato em causa.» 12. Os argumentos expostos neste aresto são plenamente transponíveis para o caso sub judice , pelo que é de reafirmar a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 6.º da LEALRAA, na sua redação atual. Importa realçar que a Constituição permite que sejam estabelecidas apenas «as inelegibilidades necessá- rias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos» (cfr. o artigo 50.º, n.º 3), assim reafirmando o caráter excecional das inelegibilidades e reforçando a exigência de que as restrições ao direito de acesso a cargos eletivos fiquem estritamente aquém dos confins impostos pelo princípio da proporcionalidade (vide Gomes Canotilho, J. J./Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, pp. 677-679).

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