TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
673 acórdão n.º 488/20 «Conclusão: 1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão do Mm.º Juiz a quo que indeferiu a reclamação apresen- tada pelo ora recorrente e manteve a decisão de não admissão da lista da candidatura do Partido da Terra – MPT com fundamento numa alegada extemporaneidade, por entender que “o prazo para a apresentação da lista de candidatura terminou no dia 14 de setembro de 2020, às 16:00”, com base na interpretação (puramente literal, ou gramatical), que faz da conjugação das normas constantes nos art. os 24.º e 162.º da LEALRAA. 2. Sucede que tais normas da LEALRAA carecem de ser interpretadas, não só à luz da norma constante no art.º 9.º do Código Civil, que é válida para a ordem jurídica em geral, nomeadamente para o direito eleitoral, já que o mesmo faz parte do ordenamento jurídico português, como do Código de Processo Civil como direito subsidiário expressamente consagrado no seu art.º 163.º. 3. O citado diploma legal, Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (LEAL- RAA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/80, de 08-08, foi publicado em 08-08-1980 e entrou em vigôr em 09-08-1980. 4. Àquela data os atos processuais apenas podiam ser praticados por entrega pessoal nas secretarias judiciais, ou enviadas por correio, de acordo com a versão do art.º 143.º então em vigor. 5. Apenas com o Decreto-Lei n.º 28/92, de 27-02 se passou a permitir a prática dos atos processuais através de telecópia (vulgo fax ) e só muitos anos mais tarde foi admitida a possibilidade de praticar o ato mediante correio eletrónico, com o Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10-08, o qual alterou o art.º 143.º do CPC. 6. Atualmente, o art.º 137.º do NCPC tem o exatamente a mesma redação do art.º 143.º do CPC, na versão do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10-08, o que significa que desde a publicação e entrada em vigor da LEALRAA o ordenamento jurídico sofreu profundas alterações neste campo, as quais não poderão, naturalmente, ser despre- zadas, sob pena da solução encontrada ser anacrónica. 7. Na verdade, as citadas normas da LEALRAA deverão ser interpretadas, à luz do o art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil: “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. 8. Assim, ao contrário do entendimento perfilhado pelo MM.º Juiz a quo na douta decisão recorrida de que “o prazo para a apresentação da lista de candidatura terminou no dia 14 de setembro de 2020, às 16:00”, uma inter- pretação dos citados art. os 24.º e 162.º da LEALRAA, à luz da unidade do sistema jurídico e das condições especí- ficas do tempo em que é aplicada, aponta para que tal prazo terminou no dia 14 de setembro de 2020, às 23:59. 9. Na verdade, a natureza meramente instrumental da celeridade processual típica do direito eleitoral não pode servir de justificação para, através de uma interpretação puramente literal das normas aplicáveis, provocar uma verda- deira derrogação dos princípios normativos e constitucionais que verdadeiramente importa atingir, como é o caso dos direitos constitucionais de participação política [cfr. art os 1.º, n.º 1, 9.º al. b) , 18.º, 20.º e 48.º e ss. da CRP]. 10. O facto de “não terem sido admitidos incidentes pós-decisórios em matéria de contencioso eleitoral como as aclarações ou pedidos de esclarecimento”, “dos prazos previstos na Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores serem improrrogáveis” e de “nem mesmo o instituto do justo impedimento ser com- patível com a celeridade imposta no contencioso eleitoral”, como salienta o Mmo juiz a quo na decisão recorrida, são situações que não podem fundamentar a interpretação das citadas normas no sentido vertido na douta decisão recorrida. 11. Evidentemente que, não obstante o ambiente da legislação eleitoral seja diverso daquele para o qual foram pensadas as citadas normas do Código de Processo Civil, a LEALRAA, no seu art.º 163.º, estabelece expressamente as normas do CPC como o direito subsidiário aplicável, pelo que a interpretação das normas legais em apreço segundo a qual o prazo terminou no dia 14 de setembro de 2020, às 23:59, além de favorecer os direitos cons- titucionais da participação política [cfr. art os 1.º, n.º 1, 9.º al. b) , 18.º, 20.º e 48.º e ss. da CRP], na prática não compromete minimamente a celeridade imposta pelo exigente calendário eleitoral. 12. Pelo exposto, deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a lista apre- sentada pelo ora recorrente, já que a mesma erra por violação de lei, ao não ter considerado a legislação vigente,
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