TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

664 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No caso vertente, a norma cuja constitucionalidade o reclamante pretende sindicar não se inscreve na vertente precária do despacho de pronúncia, aquela que respeita à responsabilidade penal do arguido, cuja definição ocorre uma vez findo o julgamento e proferida a sentença. Nos casos em que aprecie questões prévias ou vícios processuais insusceptíveis de reapreciação numa fase subsequente do processo, a decisão instrutória não pode deixar de ser considerada definitiva, desencadeando o efeito de caso julgado. É o que ocorre quanto à questão da qual emerge a norma objeto do presente recurso, dado que a decisão tomada no despacho de pronúncia quanto à invocada nulidade da acusação pública nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) , do Código de Processo Penal, não pode ser reapreciada e eventualmente revertida em fases subse- quentes do processo, designadamente pelo juiz de julgamento. Nessa medida, o segmento da decisão recorrida no qual a norma objeto do recurso foi aplicada como ratio decidendi constitui, materialmente, uma decisão definitiva, na acepção relevante para a verificação do pressuposto previsto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC. 9. Segundo o disposto no n.º 4 do artigo 77.º da LTC, a decisão que julgue a reclamação de despacho que indefira o recurso de constitucionalidade ou que retenha a sua subida não pode ser impugnada e, caso a reclamação seja deferida, faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso. Significa isto que, no julgamento da reclamação, importa considerar não só os fundamentos em que repousa a decisão de não admissão ou de retenção do recurso de constitucionalidade, como ainda aferir da verificação dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso. Dito de outro modo: o julgamento da reclamação deverá não só incidir sobre o fundamento do despacho de não admissão ou de retenção do recurso de constitucionalidade, como sobre quaisquer outras razões que obstem ao conhecimento do objeto de tal recurso. Isto porque o deferimento da reclamação implica a preclusão dos poderes cognitivos do Tri- bunal em matéria de não admissão do recurso, nos termos do artigo 77.º, n.º 4, da LTC, formando-se caso julgado formal quanto a tal matéria. Vejamos então se existe algum outro fundamento que implique a não admissão do recurso, para além do invocado na decisão reclamada. 10. Perante a ausência do registo fonográfico do debate instrutório, levantou-se a dúvida sobre se o recorrente teria efetivamente suscitado de forma prévia e processualmente adequada a inconstitucionalidade da norma sindicada no recurso de constitucionalidade. A audição do registo fonográfico, entretanto junto aos autos, permite a confirmar que tal ónus processual foi devidamente observado. Afigura-se que a norma sindicada foi aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi . Com efeito, o tribunal de primeira instância aceitou que a grande maioria dos factos constantes da acusação pública e dos ilícitos criminais imputados ao arguido não foram comunicados a este na fase de inquérito, nem o mesmo foi sobre eles ouvido durante a mesma, ainda que fosse conhecido o seu paradeiro (porque estava em prisão pre- ventiva), entendendo que essa comunicação e audição eram legalmente inexigíveis, antes se tratando de um ato facultativo de inquérito cuja omissão em nada obstaria a que os mesmos factos fossem levados à acusação. Resta concluir que o recurso de constitucionalidade é admissível, impondo-se apenas aprimorar o enun- ciado do objeto do recurso, de modo a fazê-lo coincidir rigorosamente com a ratio decidendi do despacho recorrido. Assim, deve deferir-se a reclamação, admitindo o recurso de constitucionalidade para apreciação da norma extraída da conjugação dos artigos 272.º, n.º 1, 141.º, n.º 4, alínea d) , 143.º, 144.º, 120.º, n.º 2, alínea d), e 283.º, todos do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que podem ser levados à acusação factos e imputações criminais com os quais o arguido não tenha sido confrontado durante o inqué- rito, podendo tê-lo sido, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

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