TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E isso independentemente de o motivo dessa devolução poder ser a mudança da citanda para outra morada e de essa mudança já ter sido verificada nos autos, nas anteriores diligências de citação, feitas ao abrigo do regime processual anterior, e que, por isso, resultaram negativas. Estando, assim, em causa saber se pode ser considerada válida a citação, feita ao abrigo do art. 246.º do atual CPC, de uma pessoa que se sabia não ter domicílio na morada onde foi realizada a diligência de citação, havia cerca de cinco anos. Questão a que, antecipando a conclusão, se responde negativamente. Não se ignora que, nos termos do art. 6.º do Dec-Lei n.º 129/98, de 13 de maio, a ora recorrente estava obri- gada a manter atualizados os seus elementos de identificação, incluindo a morada da sua sede, no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. E que não cumpriu essa obrigação. Sendo essa a causa de não ter tomado conhecimento oportuno da citação efetuada. Pelo que também se admite que a mesma não pode alegar, para efeitos do preceituado no art.188.º, al. e) do CPC, que a falta desse conhecimento não lhe é imputável. Mas, a nosso ver, deve ser recusada a aplicação, no caso, do referido regime legal. Desde logo, fundando-se este regime no incumprimento da obrigação da ora Recorrente, de manter atualizada a sua sede social no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, verifica-se que a mudança de instalações da ora Recorrente, com o consequente abandono da sede social, teve lugar em momento anterior, e muito, à entrada em vigor daquele novo regime de citação. Sabendo-se que deste novo regime resulta uma muito relevante redução das garantias da parte citanda. Podendo questionar-se a constitucionalidade da norma de direito transitório que, numa tal situação, admita que, depois de longamente frustrada a realização da citação ao abrigo do regime processual vigente na data em que foi requerida, e sem a alteração de qualquer pressuposto de facto, a citação possa ser considerada regularmente realizada em morada que, só formalmente, continuava a ser a morada da citanda, e onde já se tinha frustrado a diligência de citação. Mais do que isso, julga-se que deve ser julgado inconstitucional o regime de citação estabelecido no estabe- lecido no n.º 4 do art. 246.º do CPC, articulado como o art. 188.º, al. e) do mesmo Código, interpretados no sentido de que é válida a citação efetuada por depósito do respetivo expediente na morada da citanda, constante do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, mesmo sabendo-se que a citanda já dali se mudou há muito tempo. Uma vez que, considerar regularmente efetuada a citação nestas circunstâncias, havendo uma quase certeza de que a citanda não vai tomar conhecimento desse ato a tempo de apresentar a sua defesa, redunda numa sanção manifestamente desproporcionada para o incumprimento da obrigação de manter atualizados os elementos de identificação no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. O que é evidenciado nos presentes autos, onde está em causa a possibilidade de a ora recorrente deduzir opo- sição à execução onde é reclamado o pagamento de mais de € 300 000. Não se concebendo que a ora recorrente deva ficar impedida de deduzir a defesa que possa ter contra o reque- rimento executivo apenas porque não atualizou a morada onde podia ser encontrada. E o mesmo se dirá da citação que se faça em qualquer outra ação judicial, declarativa ou executiva, atentos os efeitos cominatórios associados à falta de contestação/oposição do demandado que tenha sido regularmente citado. Assim, por estabelecer uma sanção manifestamente desproporcionada aos interesses que visa tutelar, com efei- tos particularmente gravosos na esfera jurídica das pessoas assim citadas, julga-se que a referida norma desrespeita o princípio constitucional da proporcional idade, consagrado no art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Devendo ser recusada, com esse fundamento, a sua aplicação no caso. E concluindo-se que a ora recorrente não foi regularmente citada para os termos da execução. Devendo sê-lo.

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