TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
658 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL produzidas, quanto à fixação dos factos provados e à sua qualificação jurídica, assim como na escolha do direito que julgar aplicável a esta matéria. É nesta atividade que se concretiza o princípio da liberdade de julgamento que a nossa lei pretende consagrar (artigos 368.º e ss do Código de Processo Penal. Diz-se no n.º 1 do artigo 310.º deste Código: “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.” E este despacho, que a lei processual penal declara irrecorrível, que o reclamante pretende impugnar perante o Tribunal Constitucional, por via da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Ora, pelas apontadas razões, o Tribunal entende que não deve conhecer de um tal recurso. Razões pelas quais, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, não se admite o recurso.» 4. Contra tal decisão foi apresentada a presente reclamação, nos termos que aqui se reproduzem: «Fundamentos da reclamação 1. Sustenta-se a decisão questionada na tese defendida no Acórdão 387/2008 do TC. 2. Sem qualquer fundamento, quer porquanto a mesma não versou sobre caso similar ao dos autos quer porquanto a aludida está claramente ultrapassada, face ao que posteriormente se sustentou e decidiu no Acórdão 206/2011 do mesmo tribunal, tese que subscreve e dá como reproduzida. É que, 3. No presente caso, o arguido foi durante o inquérito confrontado com dois crimes e viu-se acusado por trinta e cinco sem que sobre os novos trinta e três tenha tido oportunidade de dizer o quer que fosse. 4. A inconstitucionalidade foi arguida nos seguintes termos; Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma extraída da conjugação dos artigos 272.º, 141.º, n.º 4, alínea d) , 143.º, 144.º, 120.º n.º 2, alínea d) e 283.º, todos do CPP, interpretada no sentido de que podem ser levados à acusação factos com os quais não tenha sido confrontado durante o inquérito de modo a poder tomar posição sobre eles. 5. Nos termos do artigo 310.º n.º 1 do CPP, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos ternos do artigo 283.º, ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento. 6. Por seu lado, determina o n.º 2 do mesmo artigo 310.º: O disposto no número anterior não prejudica a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas. 7. Isto é, de modo incontornável, o tribunal de julgamento não pode tomar qualquer posição sobre a questão que foi objeto de recurso para o TC. 8. Assim, da conjugação dos aludidos números do artigo 310.º do CPP resulta, de modo inequívoco, que a decisão de que interpôs recurso não só não admite recurso ordinário, como é, para efeitos posteriores, intocável. Isto é, é definitiva, e se se mantivesse o recorrente teria de ser julgado pelos trinta e cinco crimes pelos quais foi acusado e não pelos dois únicos com os quais foi confrontado em inquérito. 9. O que é a demonstração prática de que um cidadão poderia ir a julgamento, estando localizado e contactá- vel, por factos com os quais nunca o quiseram confrontar mas que não tiveram pejo em inserir na acusação. 10. Realidade que é, processual e constitucionalmente, um absurdo. 11. Por ser a redução a zero das garantias de defesa. Constitucionalmente garantidas. 12. Temos, pois, que, no caso concreto, não só foi aplicada norma cuja inconstitucionalidade fora, oportuna- mente, suscitada, como 13. A decisão recorrida não admite recurso ordinário, por determinação legal, e é, no específico, imutável, por ser impossível ao tribunal de julgamento restringir a matéria a que o arguido iria ser julgado. 14. Isto é, o tribunal de julgamento não tem competência para determinar que o arguido só seja julgado pelos factos com os quais o reclamante foi confrontado em inquérito,
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