TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

649 acórdão n.º 770/20 meios menos restritivos para assegurar o mesmo desiderato; e, por fim, que o resultado obtido seja proporcional à carga coativa que a medida comporta, aferida pelo grau de afetação da posição jusfundamental em causa. Se a finalidade do regime relativo ao aproveitamento probatório das declarações anteriormente prestadas pelo arguido no processo, constante dos artigos 141.º, n.º 4, alínea b) , 355.º e 357.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, pode ser facilmente determinada (vide supra 12.), já o fim tido em vista pela dispensa da sua reprodução ou leitura em audiência de julgamento, extraível dos mesmos preceitos legais, em conjugação com os artigos 357.º, n.º 3, e 356.º, n.º 9, do referido Código, carece de alguma indagação. Uma vez que a reprodução das anteriores declarações de arguido em audiência de julgamento exige que esta decorra (ou se estenda) pelo tempo necessário à realização de tal diligência, crê-se que a dispensa do contraditório sobre a prova por aquela proporcionado só pode encontrar algum tipo de justificação em razões decorrentes do princípio de celeridade processual, que a Constituição faz valer no processo penal de forma particular e reforçada, enquanto direito do arguido a ser julgado «no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa» (artigo 32.º, n.º 2). Ora, sendo concebido essencialmente como um direito do arguido e tendo por isso como limite o respeito pelas garantias de defesa que o processo penal deve assegurar (artigo 32.º, n.º 1), o princípio segundo o qual a causa penal deve ser objeto de apreciação e decisão judicial no «mais curto prazo» muito dificilmente poderá ser invocado como finalidade justificativa da restrição de projeções, mesmo que periféricas, do direito à não autoin- criminação, pelo menos em termos que se revelem ainda compatíveis com o princípio da proibição do excesso. É justamente o que sucede no caso presente. Com efeito, ainda que na realização do direito à obtenção de uma decisão judicial no mais curto prazo pudesse reconhecer-se uma finalidade apta a justificar a exclusão do contraditório sobre a prova inerente à reprodução ou leitura em audiência de julgamento das declarações anteriormente prestadas pelo arguido e na dispensa de tal leitura ou reprodução uma medida adequada à prossecução daquele desiderato, o certo é que não só permaneceria por demonstrar a ausência de outros meios menos restritivos para assegurar a mesma finalidade, como a desproporção, tanto quantitativa como qualitativa, entre o prejuízo gerado por aquela dispensa e os ganhos com a mesma ocasionados seria em qualquer caso manifesta. Tratando-se da valoração de prova declarativa obtida através do arguido, a cujo conteúdo se permite que o tribunal aceda fora do âmbito da audiência de julgamento e à revelia daquele, apesar de ali presente, bem se vê que qualquer ganho que daí pudesse advir para a celeridade do processo penal seria sempre, para além de em si mesmo pouco expressivo, insuficiente e imprestável para justificar, em face da relevância dos interesses protegidos pelo direito fundamental restringido, o encurtamento das garantias de defesa com que é definida a medida dessa restrição. Para além do enfraquecimento da própria estrutura acusatória do processo, na dimensão que repudia a apreciação não dialética dos meios de prova, a dispensa do contraditório sobre a prova integrada pelas declarações processuais anteriormente prestadas pelo arguido no processo constitui, em suma, uma afetação da prorrogativa da não autoincriminação que, independentemente do exato grau em que deva ter-se por verificada, não encontra no lado contrário da balança um interesse de grandeza suficiente (ou realizável em medida suficiente) para poder justificá-la. O recurso deverá, pois, ser julgado procedente. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n. os 1 e 5, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, a norma extraída dos artigos 355.º, n. os 1 e 2, e 356.º, n.º 9, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual podem valer em julgamento as declarações do arguido a que se refere o artigo 357.º, n.º 1,

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