TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
647 acórdão n.º 770/20 seguramente a mera exibição ou leitura ritualística das declarações para memória futura [em audiência] que acrescentaria [...] o que quer que seja às oportunidades de defesa dos arguidos» (Acórdão n.º 399/15). Seja qual for a fase do processo em que sejam prestadas, as declarações de arguido revestem sempre uma dupla natureza: constituem, por um lado, um meio de defesa e assumem-se, por outro, como um meio de prova. Conforme refere Figueiredo Dias, qualquer dos interrogatórios de arguido previstos no CPP, «na medida em que tem de respeitar a inteira liberdade de declaração do arguido», constitui «uma expressão do seu direito de defesa», e, na medida em que «visa contribuir para o esclarecimento da verdade material», pode «legitima- mente reputar-se um meio de prova» (Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual... , pp. 442-443). Nisto reside a sua principal diferença relativamente às declarações prestadas por testemunhas ou declarantes: se, ao contrário destas, as declarações prestadas por arguido, mesmo quando se constituem em meio de prova, são sempre também um meio de defesa, esta sua natureza há de projetar-se sobre a fase de julgamento, condicionando – melhor, agravando – as condições em que o contraditório pela prova carece de ser assegurado, enquanto pressuposto ou condição da possibilidade da sua valoração pelo tribunal de julgamento. Na verdade, seja qual for o regime de transmissibilidade por que em concreto se opte, o arguido surgirá sempre aí como um meio de prova autónomo, diferenciado e distinto de todos demais pré-adquiridos no processo, pelo simples facto de, ao contrário do que com estes sucede, a produção e a valoração daquele se encontrarem subordinadas aos limites que decorrem do estatuto próprio do arguido e da sua qualidade de sujeito processual. 20. Caracterizado por uma fundamental unidade – no sentido em que se mantém ao longo de todo o processo, valendo para todas as suas fases ou atos – o estatuto do arguido é integrado, no que aqui especial- mente releva, pelos direitos de presença, de defesa, de audiência e ao contraditório, bem como pelos direitos ao silêncio e à não-incriminação. São direitos que, conforme visto já ( supra 16.), decorrem das garantias de defesa e da estrutura acusatória impostas pela Constituição ao processo penal (artigo 32.º, n. os 1 e 5) e que, juntamente com a presunção de inocência (n.º 2), condicionam as escolhas do legislador – ou aquelas que lhe possam ser ainda interpretativamente imputadas – na modelação do regime relativo à atendibilidade pro- batória das declarações processuais prestadas perante autoridade judiciária em fase anterior ao julgamento. A par das razões invocadas pelo legislador (vide supra 12.), a possibilidade de livre valoração pelo tribu- nal de julgamento das declarações anteriormente prestadas por arguido, nos termos atualmente constam dos artigos 141.º, n.º 4, alínea b) , 355.º e 357.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, é justificada tanto na doutrina como na jurisprudência dos tribunais comuns com base na ideia de que, uma vez esclarecido o arguido sobre a subsequente aproveitabilidade probatória daquilo que vier a declarar, o seu estatuto de sujeito processual não reclama o reconhecimento de um «direito ao apagamento» do que vier a ser dito no processo (cfr. Paulo Dá Mesquita, A prova do crime e o que se disse antes do julgamento – Estudo sobre a prova no processo penal portu- guês, à luz do sistema norte-americano, Coimbra, 2011, Coimbra Editora, p. 582), designadamente através da proteção conferida por um regime-regra de intransmissibilidade das declarações prestadas perante autoridade judiciária em momento anterior ao julgamento. Através do novo regime – argumenta-se ainda – «a posição do arguido perante os factos que lhe são imputados» passa, na verdade, «a ser perspetivada de forma global em relação a todo o processo desde o seu início até ao julgamento», o que, tendo em conta que o mesmo «tem conhecimento de que as suas declarações têm igual valia, seja qual for a fase processual em que forem pres- tadas», é, por alguma forma, «o reconhecimento da sua dignidade como sujeito processual» (Santos Cabral, Código de Processo Penal Comentado , Coimbra, 2014, Almedina, p. 591; na jurisprudência, vide acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 4 de fevereiro de 2015, proferido no Processo n.º 212/11.1GACLB.C1, e acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de maio de 2019 e de 27 de junho de 2019, relativos aos Processos n.º 237/18.6PALSB.L1-9 e n.º 28/18.4PESNT.L1-9, respetivamente). Até porque a fase de julgamento é justamente aquela em que o arguido «surge, em plenitude, como sujeito processual» (Jorge de Figueiredo Dias, Sobre os sujeitos.... , p. 28), crê-se que os argumentos invocados em favor do regime que consta dos artigos 141.º, n.º 4, alínea b) , 355.º, 357.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, só poderão ser constitucionalmente procedentes se e na medida em que a negação do direito ao apagamento do
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