TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

646 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL De acordo com o respetivo n.º 1, em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição durante o inquérito no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento (n.º 1). Tal regime, que é imperativo para a inquirição da vítima em processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor (n.º 2), garante o prin- cípio do contraditório no momento em que a prova é produzida, quer através da obrigatória comunicação ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis do dia, hora e local da prestação do depoimento para que possam estar presentes (n.º 3), quer, em especial, da faculdade que, com exceção do arguido, a todos é reconhecida de formular perguntas adicionais àquelas que o juiz de instrução tiver começado por colocar à testemunha (n.º 5). Assegurado que se mostre o contraditório pela prova, o contraditório sobre a prova pode ser respeitado sem necessidade de leitura ou reprodução no âmbito da audiência de julgamento das declarações tomadas à testemunha. É o que se afirmou no Acórdão n.º 367/14, em particular na seguinte passagem: «Estando em causa declarações do ofendido –  rectius , provas constituendas , ainda que documentadas em auto – o contraditório deve realizar-se aquando da respetiva aquisição, isto é, durante o interrogatório previsto nos n. os 3 e 5 do artigo 271.º, do CPP. Apesar de este interrogatório não seguir os ditames do artigo 348.º, do CPP ( cross- -examination ), certo é que é nesse momento que se revela mais importante conferir ao arguido, em cumprimento dos imperativos constitucionais, a possibilidade efetiva de contribuir para as bases da decisão.  Obviamente que, integrando os autos (de declaração) os meios de prova elencados pela acusação, nada impede o arguido de, já na fase de audiência de discussão e julgamento, exercer o seu direito subjetivo público de audiência, requerendo a leitura das declarações e a sua reapreciação individualizada, e atacando a sua eficácia persuasiva. O uso efetivo deste direito, como é bom de ver, é algo que já não interessa ao princípio do contraditório nem ao seu recorte constitucional.» O contraditório sobre a prova integra, por seu turno, o regime previsto no n.º 5 do artigo 356.º do CPP. Se os declarantes não tiverem podido comparecer em audiência de julgamento por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, é permitida a reprodução ou leitura de declarações pres- tadas perante a autoridade judiciária, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para comparecimento (n.º 5). Verificando-se o acordo de Ministério Público, do arguido e do assistente, a reprodução ou leitura é permitida mesmo que se trate de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante órgãos de polícia criminal, isto é, de declarações prestadas no âmbito do inquérito e, portanto, sem que o princípio do contraditório pela prova haja sido observado. 19. O problema respeitante às condições em que o aproveitamento probatório das declarações proces- suais anteriormente prestadas pelo arguido pode ser levado a cabo pelo tribunal de julgamento situa-se no plano do contraditório sobre prova. Sendo o arguido necessariamente assistido por defensor no âmbito dos interrogatórios previstos nos artigos 141.º, 143.º e 144.º, n.º 1, do CPP, e dispondo este da faculdade de participação no ato através da apresentação de pedidos de esclarecimento e da formulação de perguntas (artigos 141.º, n.º 6, 143.º, n.º 2, e 144.º, n.º 2, do CPP), o contraditório pela prova mostra-se plenamente assegurado. A questão que a partir daqui se coloca é a de saber se, uma vez assegurado o contraditório pela prova, o respeito pelo contraditório sobre a prova poderá bastar-se com as condições em que o Tribunal Constitucional o teve por observado relativamente às declarações para memória futura (vide supra 15.). Isto é, se, tratando-se de prova obtida através do arguido, o contraditó- rio sobre a prova poderá conviver com a dispensa da leitura ou reprodução em audiência de julgamento das declarações anteriormente prestadas no processo, designadamente com base no argumento de que «não seria

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=