TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

645 acórdão n.º 770/20 17. O objeto do presente recurso – recordemo-lo – é integrado pela norma extraída dos artigos 355.º, n. os 1 e 2, e 356.º, n.º 9, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual podem valer em julgamento as declarações de arguido a que se refere o artigo 357.º, n.º 1, alínea b) , do referido Código, sem que tenha havido lugar à sua reprodução ou leitura em audiência, por decisão documentada em ata. Apesar de a norma sindicada nada esclarecer quanto à modalidade de julgamento a que deve aplicar-se, é o regime regime-regra do julgamento presencial, estabelecido no artigo 332.º, n.º 1, do mesmo Código, que nela vem pressuposto e com o qual deverá articular-se. Na verdade, não só foi esse o regime concretamente observado nos autos (vide supra 2.), como, justamente por se tratar do regime-regra estabelecido para o julgamento no CPP, o seu afastamento na delimitação do objeto do recurso pressuporia a específica menção ao regime excecional do julgamento na ausência, em qualquer das modalidades a que se referem os n. os 1 e 2 do artigo 333.º e os n. os 1 e 2 do artigo 334.º do mesmo Código. Deste modo, a questão a resolver no presente recurso consiste em saber se o estatuto constitucional do arguido, perspetivado a partir da estrutura acusatória do processo penal e das garantias de defesa que este deve assegurar, é ou não compatível com a possibilidade de livre valoração pelo tribunal de julgamento, como meio de prova, das declarações que aquele tiver anteriormente prestado perante autoridade judiciária, com assistência de defensor e depois de infor- mado de que as mesmas poderiam ser utilizadas no processo, mesmo que fosse julgado na ausência ou não viesse a prestar declarações, sem que, estando o mesmo presente em audiência de julgamento, o conteúdo de tais declarações haja sido aí lido ou reproduzido, perante todos os sujeitos processuais. Para responder a essa questão há um dado que importa não perder de vista. Ao impor como regra a obrigatoriedade da presença do arguido em audiência de julgamento (artigo 332.º, n.º 1), a lei processual penal parte da ideia de que é essa a regra que melhor serve, por um lado, as finalidades do processo penal de descoberta da verdade e realização da justiça e, por outro, a proteção dos direitos do próprio arguido. Daí que a presença em audiência de julgamento simultaneamente um direito e um dever do arguido [artigo 61.º, n.º 1, alínea a) ]. A presença em audiência de julgamento que é ao mesmo tempo facultada e imposta ao arguido está longe de ser uma presença qualquer. Enquanto elemento constitutivo do direito de defesa, o direito de presença tem o significado de «dar ao arguido a mais ampla possibilidade de tomar posição, a todo o momento, sobre o material que possa ser feito valer processualmente contra si, ao mesmo tempo que garantir-lhe uma relação de imediação com o juiz e com as provas» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual... , p. 432). O direito do arguido a participar de forma efetiva no seu próprio julgamento vem sendo igualmente reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (vide Stanford v. Reino Unido, acórdão de 23 de fevereiro de 1994, p. 26.). Trata-se, de acordo com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), de um direito extraível do artigo 6.º da Convenção, interpretado no seu conjunto, de importância capital para assegurar a existência de um proce- dimento criminal justo e equitativo (vide Marcello Viola v. Itália, acórdão de 5 de outubro de 2006, p. 50.). Uma vez exercido o direito (e cumprido o dever) de presença pelo arguido, o direito de audiência e o direito ao contraditório que nele se concretiza ganham particular efetividade: através deles, assegura-se ao arguido presente em audiência de julgamento a possibilidade de aí «se pronunciar e contrariar todos os tes- temunhos ou meios de prova» (José de Faria Costa, “Um Olhar Cruzado entre a Constituição e o Processo Penal”, A Justiça nos Dois Lados do Atlântico. Teoria e Prática do Processo Penal em Portugal e nos Estados Uni- dos da América, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, 1997, p. 192). 18. No caso da prova declarativa constituenda , o respeito pelo princípio do contraditório pode ocorrer, à partida, de duas distintas formas: (i) através do contraditório pela prova; e (ii) por meio do contraditório sobre a prova obtida previamente. O chamado contraditório pela prova encontra-se assegurado no regime das declarações para memória futura, contemplado no artigo 271.º do CPP.

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