TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “Acordos sobre a Sentença Penal: problemas e vias de solução”, in Julgar, n.º 25, Coimbra, Coimbra Edi- tora, 2015, pp.161-168, p. 166), «sobre se e como quer pronunciar-se» [Esser (A.), apud Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 122]. Também a máxima constitucional de que o « processo criminal tem estrutura acusatória », constante do n.º 5, se cumpre fundamentalmente através da consideração do arguido como verdadeiro sujeito processual . Para além da distinção material entre a entidade que acusa e a entidade que julga, a estrutura acusatória do processo materializa-se fundamentalmente no reconhecimento ao arguido de «uma posição jurídica que lhe permita uma participação constitutiva na declaração do direito do caso , através da concessão de autónomos direitos processuais, legalmente definidos» (Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Sujeitos Processuais Penais: o Arguido e o Defensor, Coimbra, 2020, disponível em https://apps.uc.pt/mypage/files/nbrandao/1083, itálico aditado). Entre esses direitos destaca-se o direito de audiência, através do qual se cumpre, relativa- mente ao arguido, o princípio do contraditório a que, por imperativo constitucional, se encontra subordi- nada a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar. Embora reconhecido a todos os participantes processuais enquanto manifestação do direito à concessão de justiça, o direito de audiência projeta-se de forma particular sobre o estatuto processual do arguido: em linha com uma conceção democrática e aberta do processo penal, tal direito concretiza-se na possibilidade que o arguido deve ter «de se fazer ouvir pela entidade a quem cabe decidir a questão que contra ele pende e de rebater os factos e as provas contra ele apresentados, por si ou através do seu defensor» ( idem , p. 29). Se a estrutura acusatória fixada ao processo penal e a sua vinculação ao ónus de assegurar todas as garan- tias de defesa impõe que o processo penal se organize e desenrole, em todas as fases e atos que o integram, de acordo com o princípio do respeito pela decisão de vontade do arguido, isso significa, no plano probatório, que qualquer contributo do arguido, quer resulte em favor ou em desfavor da sua posição, haverá de constituir uma afirmação esclarecida e livre de autorrealização pessoal. No âmbito das garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar encontram-se, por essa razão, os direitos ao silêncio e à não autoincriminação em que se concretiza o princípio nemo tenetur se ipsum accusare (cfr. Acórdãos n. os  340/13 e 108/14). Na medida em que o arguido há de poder decidir em cada momento, «de forma incondicionada e informada, se participa ou não pessoalmente na atividade probatória do processo» ( idibem , p. 38) e quais os termos dessa participação, é-lhe assegurada uma liberdade de declaração tanto positiva quanto negativa, pressupondo a primeira «o mais irres- trito direito de intervenção e declaração em abono da sua defesa» (Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, Coimbra Editora, pp. 120-121) e concretizando-se a segunda no direito de permanecer em silêncio no contacto com as autoridades. Mais amplamente, é-lhe reconhecida a prer- rogativa de recusar qualquer contributo para a formação ou consolidação da prova, à qual, em sintonia com a doutrina, vem este Tribunal reiteradamente reconhecendo o estatuto de princípio constitucional implícito a que corresponde um direito fundamental não escrito (cfr. Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova .... pp. 120 e seguintes, e Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, O direito à não autoinculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contraordenacional português, Coimbra, 2009, Coimbra Editora, pp. 14-15; na jurisprudência, vide os Acórdãos n. os 695/95, 542/97, 304/04, 181/05, 155/07, 461/11, 340/13, 360/16 e, com referência a todos os precedentes, o Acórdão n.º 298/19). O terceiro princípio constitucional a intervir na estruturação do estatuto processual do arguido encontra- -se consagrado no n.º 2. Trata-se do princípio da presunção de inocência, cuja estreita conexão com a prerroga- tiva da não autoincriminação é particularmente sublinhada na jurisprudência doTribunal Europeu dos Direitos Humanos (vide, entre outros, Saunders v. Reino Unido , acórdão de 17 de dezembro de 1996, Shannon v. Reino Unido , acórdão de 4 de outubro de 2005, e Jalloh v. Alemanha , acórdão de 11 de julho de 2006). Conjugado com o princípio da preservação da dignidade pessoal do arguido (artigo 1.º da Constituição), dele efetivamente resulta, no plano probatório, que a utilização do arguido ( v. g. , das suas declarações) como meio de prova seja sempre limitada pelo integral respeito da sua decisão de vontade (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Sobre os sujeitos processuais... ; pp. 27-28; na jurisprudência, vide Acórdãos n. os  695/95, 228/07 e 179/12).

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