TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

643 acórdão n.º 770/20 na audiência de discussão e julgamento, e não posteriormente, em “singular” pela Juiz que efetuou a sentença e revertendo tal audição “privada” para a motivação da matéria de facto da sentença». 15. Sem prejuízo do enquadramento proporcionado pelos referidos elementos jurisprudenciais, a questão que importa resolver aqui não consiste, todavia, em determinar qual a interpretação dos artigos 355.º, n. os 1 e 2, 357.º, n. os 1, alínea b) , e 3, e 356.º, n.º 9, do CPP, que, de entre aquelas vêm sendo sufragadas na jurisprudência dos tribunais comuns, deverá ter-se por mais acertada. Em especial, não caberá verificar aqui se a «consolida- ção das garantias de defesa do arguido enquanto sujeito processual», de que o legislador fez intencionalmente acompanhar o incremento da atendibilidade probatória das declarações anteriormente prestadas perante auto- ridade judiciária (vide supra 12.), é compatível com a dispensa de leitura ou reprodução do respetivo conteúdo em audiência, sabendo-se que, no âmbito do regime anterior, essa leitura ou reprodução eram impostas pelas próprias condições em que aquelas declarações poderiam ser valoradas pelo tribunal de julgamento. No plano do direito ordinário, a solução alcançada no acórdão recorrido apresenta-se como um dado indiscutido para este Tribunal, ao qual apenas cumpre verificar se a norma que para o efeito foi aplicada é compatível com o estatuto processual do arguido, tal como perspetivado e conformado pela Constituição. É certo que, tratando-se da valoração pelo tribunal de julgamento de declarações prestadas em anterior fase processual e documentadas nos autos, o problema poderia ser colocado nos termos que valem em geral para a valoração da chamada prova declarativa constituenda , entendida como a prova por declarações que se forma no âmbito do processo, mas em fase anterior ao julgamento, sendo aí conservada ao abrigo de um princípio de aquisição antecipada da prova. Deste ponto de vista – que foi, de resto, aquele que o tribunal recorrido adotou através da equiparação das declarações processuais de arguido às declarações para memória futura prestadas nos termos do artigo 271.º do CPP –, a questão a discutir seria a de saber se o contraditório sobre a prova, que o próprio artigo 355.º, n.º 1, acolhe na parte em que impõe o exame em audiência das provas a valorar pelo tribunal de julgamento que ali não sejam produzidas, seria compatível com a dispensa de leitura ou reprodução de declarações pretéritas em audiência. Isto é, se a estrutura acusatória que a Consti- tuição fixa ao processo penal no n.º 5 do artigo 32.º, bem como princípio do contraditório a que aí submete aquela audiência, podem conviver com um exame da prova declarativa constituenda que dispense a respetiva reprodução ou leitura em audiência de julgamento (respondendo afirmativamente a tal questão, a propósito das declarações para memória futura, vide Acórdãos n. os  367/14 e 399/15). Simplesmente, na medida em que menospreza a diferença que existe entre a prova que tem por fonte o arguido e a prova testemunhal (amplamente entendida), tal forma de colocação do problema é, não apenas insatisfatória, como dificilmente sustentável do ponto de vista constitucional. Tratando-se do aproveita- mento probatório de declarações anteriormente prestadas por arguido, é necessariamente no estatuto que a Constituição lhe assegura enquanto sujeito do processo que deverá procurar-se a resposta para a questão de saber se tais declarações podem ser valoradas pelo tribunal de julgamento sem que o respetivo conteúdo haja sido previamente sujeito à incidência daquela «relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo» em que se analisa o princípio da imediação (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, Coimbra Editora, p. 232). 16. O estatuto processual do arguido é no essencial conformado pelos n. os 1, 2 e 5 do artigo 32.º da Constituição. O princípio segundo o qual o «processo criminal assegura todas as garantias de defesa», consagrado no n.º 1, tem como conteúdo essencial a exigência de que o arguido seja tratado como sujeito, e não como objeto do procedimento criminal» (cfr. Acórdãos n. os  695/95 e 619/98). Da conceção do arguido como autêntico sujeito processual e, sobretudo, da proteção da liberdade de autodeterminação processual que nessa condição vai implicada, resulta, em primeira linha, que ao mesmo seja reconhecida a faculdade de definir, no exercício de uma plena liberdade de vontade, qual a posição a tomar perante a matéria que constitui objeto do processo, decidindo, na condição, tanto quanto possível, de «senhor do seu destino» (Nuno Brandão,

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