TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

642 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a) , do mesmo Código» – é o que resulta da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 8/17, citado na decisão recorrida –, também aquelas «podem ser valoradas sem que tenham sido lidas em audiência», já que, tanto num caso como no outro, a lei estabelece uma «simples permissão de leitura», que se traduz «numa faculdade, atribuída aos sujeitos pro- cessuais, de o poderem fazer ou requerer, não se impondo uma obrigatoriedade de leitura». De acordo ainda com o tribunal recorrido, o que está em causa, aqui como ali, é a valoração de declarações cuja existência é do conhecimento dos intervenientes processuais, nomeadamente do arguido e seu defensor, documentadas no processo com gravação áudio ou audiovisual e em suporte a todo o tempo disponível para análise e examina- ção. Ademais – esclareceu-o ainda – trata-se de «um meio de prova indicado na acusação e/ou no despacho de pronúncia, meio de prova este cristalizado, sendo a sua leitura/audição insuscetível de o alterar, podendo sempre ser discutido, contestado e ponderado pelos intervenientes processuais na audiência de julgamento, perante o juiz do julgamento, que irá sempre ter um contacto com esta prova, não diretamente no momento em que foi produzida, mas através da audição/visualização de tais declarações, nem que seja no recato do seu gabinete, para tomar conhecimento efetivo do teor destas declarações». Com base nesta ordem de conside- rações, o tribunal recorrido concluiu que as declarações prestadas por arguido em primeiro interrogatório judicial, «ainda que não produzidas em audiência, não constituem prova proibida por força da interpretação conjugada dos preceitos acima enunciados», sem que com isso sejam «postos em causa ou minimamente beliscados os […] princípios da imediação e do contraditório, ou posta em causa qualquer garantia de defesa do arguido constitucionalmente consagrada, nomeadamente as constantes dos n. os 5 e 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa ou algum dos básicos direitos previstos no artigo 6.º (Direito a um processo equitativo) da Convenção Europeia dos Diretos do Homem». 14. No acórdão recorrido, o tribunal a quo posicionou-se claramente no âmbito da controvérsia que, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, se instalou na jurisprudência dos Tribunais da Relação acerca das condições processuais em que pode ocorrer o aproveitamento probatório das declarações prestadas por arguido perante autoridade judiciária em anterior fase do processo, designadamente em face do que se dispõe nos artigos 355.º, n. os 1 e 2, 357.º, n. os 1, alínea b) , e 3, e 356.º, n.º 9, todos do CPP. A questão está longe de ser pacífica. Em sentido contrário à orientação sufragada no acórdão recorrido – por sua vez aplicada já pelos Tribunais da Relação do Porto, Évora e Lisboa nos acórdãos de 14 de setembro de 2016 (Processo n.º 2087/14.0JAPRT. P1), 7 de fevereiro de 2017 (Processo n.º 341/15.2JAFAR.E1) e 20 de novembro de 2019 (Processo n.º 658/17.1PZLSB.L1-3), respetivamente (todos disponíveis, tais como os demais adiante indicados, em www.dgsi.p t ) –, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, em acórdão proferido logo em 2015, que o artigo 357.º, n. os 1 a 3, do CPP, faz depender a «valoração das declarações prestadas pelo arguido devidamente infor- mado nos termos do art.141.º, n.º 4, alínea b) , do mesmo Código», da «reprodução ou leitura das mesmas em audiência de julgamento, para cumprimento do contraditório e embora de algum modo limitado, dos princí- pios da imediação e da oralidade», pelo que, «não tendo sido lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo arguido no inquérito, a valoração das suas declarações constitui valoração proibida de prova, nos termos do art.355.º do C.P.P» (acórdão de 4 de fevereiro de 2015, Processo n.º 212/11.1GACLB.C1). Este entendimento, aparentemente maioritário na jurisprudência dos tribunais comuns, foi depois reafirmado, entre outros, nos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto em 12 de outubro de 2016 (Processo n.º 101/13.5JAAVR.P1) e 27 de junho de 2018 (Processo n.º 370/16.9PEGDM.P1), bem como nos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 18 de julho de 2017 (Processo n.º 387/15.0GACDV.L1-3) e 30 de maio de 2019 (Processo n.º 28/18.4PESNT.L1-9). Neste último aresto, considerou-se que as declara- ções de arguido prestadas perante o juiz de instrução criminal podem ser valoradas livremente pelo tribunal de julgamento, «enquanto meio de prova válida eficazmente obtida, mas só se tal tivesse sido feito publicamente

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