TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

641 acórdão n.º 770/20 A segunda modificação consistiu na consagração do registo áudio ou audiovisual como regime-regra de documentação do primeiro interrogatório judicial de arguido detido (artigo 141.º, n.º 7), assim como de todos os demais interrogatórios, judiciais e não judiciais, de arguido preso ou em liberdade (artigo 144.º, n.º 1). A terceira alteração – que constitui, num certo sentido, o desfecho lógico das duas anteriores – diz respeito à atendibilidade pelo tribunal de julgamento das declarações processuais de arguido prestadas naquelas circuns- tâncias. Mantendo inalterada a possibilidade de o arguido solicitar a reprodução ou leitura das declarações que tiver prestado perante qualquer autoridade [alínea a) do n.º 1 do artigo 357.º], a Lei n.º 20/2013 veio permitir que aquela reprodução ou leitura tenha ainda lugar, independentemente da verificação de qualquer outro pres- suposto ou condição, quando se trate de declarações prestadas «perante autoridade judiciária com assistência de defensor» e o arguido tenha sido previamente informado de que tais declarações podem vir a ser utilizadas no processo nos termos referidos supra . Tal possibilidade, que passou a resultar da alínea b) do n.º 1 do artigo 357.º, originou, assim, uma reconfiguração do elenco das provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualiza- ção ou audição em audiência sejam permitidas, provas essas que o n.º 2 do artigo 355.º continuou a subtrair à incidência da proibição de valoração de quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência imposta pelo princípio do contraditório e mantida sem alterações no respetivo n.º 1. As declarações processuais do arguido cuja atendibilidade passou a resultar da alínea b) do n.º 1 do artigo 357.º encontram-se sujeitas à livre apreciação da prova [artigo 141.º, n.º 4, alínea b) ], o que é refor- çado pelo n.º 2 do artigo 357.º, que por isso lhes retira o valor de prova por confissão nos termos e para os efeitos previstos no artigo 344.º. Para além da referência ao n.º 3 do artigo 357.º, na parte em que, remetendo para o n.º 9 do artigo 356.º, determina que a permissão da leitura ou reprodução das declarações do arguido e a sua justificação legal «ficam a constar da ata, sob pena de nulidade», a descrição do essencial da reforma levada a cabo pela Lei n.º 20/2013 não ficaria completa sem uma alusão às razões que estiveram na sua génese. Tais razões encon- tram-se explicitadas na Proposta de Lei n.º 77/XII, que esteve na base da aprovação daquela Lei, na qual as alterações introduzidas no regime relativo à transmissibilidade das declarações anteriormente prestadas por arguido foram justificadas do seguinte modo: «[...] 3. De maior relevância é a modificação introduzida quanto à possibilidade de utilização das declarações presta- das pelo arguido, na fase de inquérito e de instrução, em sede de audiência de julgamento. A quase total indisponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de indignação social e incom- preensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça. Impunha-se, portanto, uma alteração ao nível da disponibilidade, para utilização superveniente, das decla- rações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento, devidamente acompanhadas de um r eforço das garantias processuais. Assim, esta disponibilidade de utilização, para além de só ser possível quanto a declarações prestadas perante autoridade judiciária, é acompanhada da correspondente consolidação das garantias de defesa do arguido enquanto sujeito processual , designadamente quanto aos procedimentos de interrogatório, por forma a assegurar o efetivo exercício desses direitos, maxime o direito ao silêncio.» (itálico aditado) 13. Aceitando a alegação de que o tribunal de primeira instância procedera à valoração, como meio de prova, das declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial por três dos arguidos sujeitos a julga- mento sem previamente ter assegurado a respetiva reprodução ou leitura no âmbito da audiência, o tribunal recorrido começou por apreciar a legalidade de tal solução, que considerou plenamente consentida pelos artigos 355.º e 357.º, n.º 1, alínea b) , do CPP. Equiparando as declarações processuais prestadas por arguido às declarações para memória futura pres- tadas nos termos do artigo 271.º do referido Código, o tribunal a quo entendeu que, tal como estas «não

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