TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

640 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O percurso lógico-argumentativo seguido no acórdão recorrido não deixa, pois, qualquer dúvida de que a norma sindicada foi aplicada como ratio decidendi do juízo confirmatório da valoração da prova realizada em primeira instância, sendo por isso inquestionável a utilidade do conhecimento do objeto do recurso. B. do mérito 11. O presente recurso tem por objeto a «norma extraída dos artigos 355.º, n. os 1 e 2, e 356.º, n.º 9, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual podem valer em julgamento as declarações de arguido a que se refere o artigo 357.º, n.º 1, alínea b) , do referido Código, sem que tenha havido lugar à sua reprodução ou leitura em audiência, [por decisão] documentada em ata». Ainda que inscrita na problemática, de âmbito necessariamente mais vasto, relativa ao aproveitamento probatório das declarações processuais prestadas por arguido em fase anterior ao julgamento, a norma sindi- cada ocupa aí uma posição muito particular: através dela dá-se resposta à questão de saber, não se tais declara- ções podem ser valoradas como meio de prova pelo tribunal de julgamento, mas, aceitando-se que o podem ser, se poderão ser valoradas sem que tenha havido lugar à respetiva leitura ou reprodução em audiência, por decisão documentada em ata. É este – e apenas este – o critério impugnado pelo recorrente. Sem questionar a conformidade constitucional do regime relativo à atendibilidade das declarações pro- cessuais prestadas por arguido no âmbito do inquérito ou da instrução que resultou das alterações ao CPP introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, o recorrente contesta, porém, que esse novo regime possa conviver com uma norma que dispense a leitura ou reprodução de tais declarações em audiência de julgamento sem com isso violar «os princípios da imediação, contraditório, da defesa e do justo processo previstos nos números 5 e 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 6.º da CEDH». Para um melhor enquadramento da questão, é útil, ainda assim, proceder a uma breve caracterização do regime constante do artigo 357.º do CPP, antes e depois da revisão levada a cabo pela Lei n.º 20/2013. 12. Fora dos casos em que a iniciativa pertença ao próprio arguido, a leitura de declarações anterior- mente prestadas no processo só era permitida, antes da entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, quando, tratan- do-se de declarações produzidas perante o juiz, houvesse «contradições ou discrepâncias» entre elas e as pres- tadas em audiência de julgamento. Era o que resultava das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 357.º do Código de Processo Penal, na versão resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, cuja previsão se encontrava já ressalvada pelo n.º 2 do artigo 355.º, enquanto exceção à proibição de valoração de «quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência», consagrada no respetivo n.º 1. Tratava-se, por- tanto, de uma «prova crítica» das declarações do arguido em audiência de julgamento, cuja efetiva prestação pressupunha necessariamente (cfr. Damião da Cunha, “O regime processual de leitura das declarações pres- tadas na audiência de julgamento”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, 3, pp. 403-443, p. 419). Com a entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, tal regime foi substancialmente alterado. A primeira alteração prende-se com o alargamento do âmbito do dever de advertência a cargo do juiz responsável pelo primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Por força da nova redação conferida ao artigo 141.º, n.º 4, alínea b) , do CPP, o juiz passou a ter o ónus de informar o arguido, no início do interro- gatório, de que «não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no pro- cesso, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova». Esse dever de advertência é aplicável aos demais interrogatórios levados a cabo por autoridade judiciária, valendo, portanto, quer para o primeiro interrogatório não judicial de arguido detido (artigo 143.º, n.º 2), quer para os subsequentes interrogatórios de arguido preso e de arguido em liberdade, sempre que levados a cabo pela autoridade judiciária para o efeito competente de acordo com a fase do processo (artigo 144.º, n.º 1).

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=