TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
639 acórdão n.º 770/20 de que as mesmas poderão vir a ser utilizadas no processo, estando sujeitas à livre apreciação da prova – cuja atendibilidade, enquanto meio de prova, é expressamente ressalvada pelo n.º 2 do artigo 355.º do CPP –, preceito que, por essa razão, foi integrado no “arco legal” que suporta a norma sindicada, apesar de assumido já, ainda que de forma implícita, pela norma identificada pelo recorrente. A par de meros ajustamentos formais, destinados apenas a tornar tão rigorosa quanto possível a delimi- tação da norma impugnada, a única modificação do objeto do recurso verdadeiramente originada pelo des- pacho em causa diz respeito à eliminação da referência às declarações prestadas por coarguido em momento prévio ao julgamento. Para além de situada ainda no âmbito da mera contração – e não correção – do objeto do recurso, tal eliminação tem uma evidente razão de ser. A questão de saber se as declarações anteriormente prestadas por coarguido podem ser valoradas como meio de prova sem que tenha havido lugar à respetiva reprodução em audiência de julgamento apenas adquire autonomia face ao problema do aproveitamento probatório de declarações prestadas por arguido naquelas circunstâncias em duas possíveis situações: (i) quando o coarguido tiver perdido essa qualidade, designadamente em virtude do seu falecimento; e (ii) quando o coarguido for julgado na sua ausência. Se, ao invés, o coarguido que anteriormente declarou responder presencialmente com o arguido em situação de comunhão processual – foi o que sucedeu no caso dos autos (vide supra 2.) –, a questão da atendibilidade probatória das declarações que o primeiro tiver prestado em fase anterior do processo coloca-se no âmbito do regime previsto no artigo 357.º do CPP para as declarações de arguido, sendo ou não admissível nos exatos termos aí prescritos. Justamente por assim ser, o tribunal recorrido, ao apreciar a questão suscitada pelo aqui recorrente – isto é, a questão relativa à «utilização como prova, das declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório judicial» –, fê-lo apenas através da convocação daquele regime, considerando não assumir para aquele efeito qualquer particularidade distintiva a qualidade de coarguido que, relativa- mente aos três arguidos que prestaram declarações perante o juiz de instrução criminal em inquérito, cada um assumia perante os demais. 10. A segunda objeção colocada pelo Ministério Público prende-se, conforme vimos, com a utilidade do conhecimento do objeto do recurso. Segundo reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, para que o julgamento do recurso revista utilidade é necessário que a norma impugnada tenha sido aplicada, como ratio decidendi , no acór- dão recorrido, de tal modo que o juízo de inconstitucionalidade que sobre ela venha a recair possa «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cfr. Acórdão n.º 169/92), confrontando o tribunal a quo com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento. É justamente o que sucede no caso presente. Depois de ter concluído que a nulidade do acórdão então recorrido – vício que o recorrente associara à invocada «valoração de prova proibida» –, a existir, já se encontraria sanada, o tribunal a quo transferiu tal alegação para a sua sede própria – isto é, a «reapreciação da prova, no âmbito da impugnação da matéria de facto» – e, aplicando o entendimento segundo o qual as declarações prestadas por arguido em anterior fase do processo, à semelhança do que sucede com as declarações para memória futura, «não têm de ser obri- gatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal», nos termos das disposições conjugadas dos artigos 141.º, n.º 4, alínea b) , 355.º, 357.º, n.º 1, alínea b) , do CPP, considerou ser manifesta a falta de razão do recorrente. Para o tibunal a quo, «as referidas declarações, ainda que não produzidas em audiência, não constituem prova proibida por força da interpretação conjugada dos preceitos acima enunciados, pelo que, estando as mesmas exaradas em auto no processo e não constituindo qualquer surpresa para os arguidos na fase de jul- gamento, será por isso (...) despicienda a invocação de que essa valoração pelo tribunal da primeira instância, veio lesar o seu direito de defesa».
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