TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
633 acórdão n.º 770/20 intervenientes, maxime os arguidos, saibam que irá ocorrer um desvio ao princípio da imediação e, assim, possam exercer o seu direito de defesa de forma plena, sem surpresas ou deslealdades. Ora, resulta daqui que as declarações do arguido prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial têm de ser lidas ou ouvidas na audiência de julgamento para que possam ser valoradas e utilizadas na formação da con- vicção do Tribunal. A garantia dos direitos de defesa dos arguidos e, sobretudo, o exercício efetivo do princípio do contraditório apenas poderá ser plenamente exercido mediante a leitura ou audição em audiência das declarações prestadas pelo arguido, pois só desse modo é dado conhecimento aos sujeitos processuais dos meios de prova elegíveis para a formação da convicção do tribunal, possibilitando o debate e a confrontação indispensáveis à boa decisão e à decisão justa. Não se diga que a “nova” redação do artigo 141.º do CPP, em vigor desde 2013, que |permite a valoração em audiência de julgamento de declarações anteriores do arguido desde que cumpridas as premissas aí estipuladas (declarações de arguido informado, acompanhado de defensor, perante autoridade judiciária) permite uma inter- pretação das normas adjetivas que autorize a sua valoração em violação das regras e princípios dos artigos 355.º, 356.º e 357.º do CPP. Na verdade, aquela nova versão que produziu um alargamento da possibilidade de valoração de declarações anteriores de arguido não afastou o princípio da imediação tal como ele decorre das normas consti- tucionais, com o regime descrito nas citadas disposições dos artigos 355.º a 357.º. Por outras palavras, a valoração permitida pelo artigo 141.º de declarações do arguido não afasta o regime do artigo 355.º, 356.º n.º 9 e 357.º n.º 3 do CPP. E assim, pois que esta é a forma encontrada pelo legislador de, ape- sar daquele alargamento, manter uma solução que ainda garanta o efetivo direito de defesa dos cidadãos arguidos e um processo penal justo. E se isto é assim relativamente a qualquer declaração anterior de arguido, mais o é relativamente a declarações anteriores de coarguidos utilizadas, isto é valoradas, fora do dos requisitos dos citados artigos 355.º, 356.º n.º 9 e 357.º n.º 3 do CPP. Na verdade, se se poderia defender, o que apenas de academicamente se admite, que relativamente às declara- ções do próprio arguido produzidas antes do julgamento, este deveria sempre contar com a sua valoração, sendo que daí não advêm mazelas para o seu direito de defesa, já tal não procede relativamente à valoração surpresa, em sede de decisão final de julgamento, de declarações de coarguidos que o arguido não teve em momento alguma qualquer possibilidade de contraditar. IV – CONCLUSÕES I. É inconstitucional a interpretação no sentido de que é permitida a valoração de declarações anteriores de arguidos e coarguidos, em sede de julgamento, sem que a sua leitura seja admitida e produzida, por decisão que conste em ata, nos termos do art. 355.º, 357.º n.º 3 e 356.º n.º 9 do CPP. II. Tal inconstitucionalidade advém das disposições constitucionais dos números 5 e 8 do art. 32.º da Cons- tituição da República Portuguesa (CRP). III. Tal interpretação é ainda violadora do art. 6.º da CEDH. IV. A violação das citadas normas traduz-se na violação dos princípios do acusatório, da imediação, do contra- ditório, da defesa e do justo processo que devem nortear o processo penal num Estado de Direito Demo- crático.» 7. Pugnando pela improcedência do recurso, o Ministério Público contra-alegou como se segue: « […] III. Do objeto do presente recurso de constitucionalidade 12.º O objeto do presente recurso de constitucionalidade, tal como apresentado no requerimento de recurso do arguido é o seguinte (cfr. fls. 3155 verso dos autos):
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