TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

632 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na realidade, o Acórdão ora em apreço pronunciou-se sobre o problema aquando do tratamento da “Ia Ques- tão: Nulidade do acórdão por valoração de prova proibida”, a partir da página 69, por referência ao número do ficheiro em pdf (a cuja paginação sempre nos referiremos, uma vez que da versão notificada não constam as fls. do processo nem paginação própria do acórdão). Aqui, parece o Acórdão concluir, a p. 72, que: “Se as declarações em causa constam dos autos desde o início do inquérito, foram prestadas pelo arguido em prejuízo do qual foram valoradas, sabendo ele que essa valoração era permitida pela lei porque disso foi expressa- mente informado, ou por coarguido desde que aquele tenha a possibilidade efetiva de as contraditar (“e daí que a norma específica contida no artigo 345.º do diploma neutralize quaisquer efeitos incriminatórios das declarações prestadas por coarguido, se este se recusar a esclarecê-las ou a responder a perguntas que lhe sejam formuladas sobre os factos que lhe foram imputados” como se lê no acórdão recorrido, sendo certo que o presente caso não assume tal envolvência) constando tais declarações como meio de prova entre os demais indicados pela acusação (como sucedeu in casu – cfr. fls. 2358 do despacho de pronúncia), nenhuma ofensa existirá às garantias de defesa ou ao princípio do contraditório, se forem efetivamente valoradas sem que tenham sido lidas em audiência.” Ou seja, entendeu o Tribunal recorrido que não existe qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na inter- pretação efetuada pela instância e, bem assim, inexistiria qualquer ofensa às garantias de defesa ou ao princípio do contraditório constitucionalmente consagrados. Tal decisão viola a lei processual penal e a lei fundamental, designadamente o disposto no artigo 32.º da CRP. Mas vejamos melhor: B) A interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa Estabelece o artigo 32.º, n.º 5 da CRP que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.” A estrutura acusatória do processo é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal, signifi- cando que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por parte do Ministério Público. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação sobre a responsabilidade criminal do arguido. Da estrutura acusatória do processo penal deriva o princípio do contraditório, o qual beneficia de tutela constitu- cional expressa para o julgamento, o que significa, fundamentalmente, que nenhuma prova deve ser aceite em audiên- cia, nem nenhuma decisão deve aí ser tomada pelo Tribunal, sem que previamente tenha sido dada uma ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual ela é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar. Visa-se, desse modo, um processo justo e equitativo com plena observância das garantias necessárias para uma defesa eficaz. Desta exigência constitucional, decorre o princípio da imediação processual penal. Na verdade, nos termos do disposto no art. 355.º do CPP, não podem ser valoradas, para efeito de formação da convicção do tribunal, quais- quer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Desta imposição ressalvam-se as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas nos termos dos artigos 356.º e 357.º do CPP. Entre as exceções previstas pelo n.º 2 do artigo 355.º encontra-se a admissão de possibilidade de serem valo- radas as declarações anteriormente prestadas pelo arguido perante autoridade judiciária nos termos estatuídos nos artigos 356.º e 357.º do Código Processo Penal, este último, nos termos alargados que a nova versão produzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, veio permitir. Atalhando razões, ainda que as citadas normas dos art. 356.º e 357.º do CPP permitam a utilização de decla- rações produzidas em fases anteriores do processo, a interpretação conjugada do disposto no n.º 9 do artigo 356.º aplicável pela remissão do n.º 3 do artigo 357.º, impõe que a sua leitura, visualização ou audição, bem como a sua justificação legal, fiquem a constar da ata. É o modo encontrado pelo legislador de garantir que todos os

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