TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

627 acórdão n.º 770/20 o tribunal, de participar no estabelecimento do efeito autoincriminador com que as suas anteriores declarações hão de valer no momento do apuramento da sua responsabilidade. VIII– A valoração pelo tribunal de julgamento das declarações de arguido a que se refere o artigo 357.º, n.º 1, alínea b) , do Código de Processo Penal, sem que tenha havido lugar à sua reprodução ou leitura em audiência, por decisão documentada em ata, para além de conviver mal com o princípio da leal- dade do procedimento, constitui uma afetação do direito à não autoincriminação extraível do artigo 32.º, n. os 1 e 5, da Constituição, e, no sentido em que priva o arguido do domínio sobre aquilo que declarou, do direito ao respeito que é devido pela sua decisão de vontade, o qual, para além de integrar o conteúdo essencial do estatuto do arguido enquanto sujeito do processo, constitui o fundamento último daquele primeiro; tal afetação, apesar de não atingir a zona nuclear da prerrogativa da não autoincriminação – de a não extinguir na sua essência – encontra-se sujeita aos limites impostos pelo artigo 18.º da Constituição às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, em particular ao princí- pio da proibição do excesso acolhido no respetivo n.º 2, o qual supõe que a medida seja adequada aos fins que através dela se prosseguem; que essa medida seja exigida para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para assegurar o mesmo desiderato; e, por fim, que o resultado obtido seja proporcional à carga coativa que a medida comporta, aferida pelo grau de afetação da posição jusfundamental em causa. IX – Se a finalidade do regime relativo ao aproveitamento probatório das declarações anteriormente pres- tadas pelo arguido no processo, constante dos artigos 141.º, n.º 4, alínea b) , 355.º e 357.º, n.º 1, alínea b) , do Código de Processo Penal, pode ser facilmente determinada, já o fim tido em vista pela dispensa da sua reprodução ou leitura em audiência de julgamento, extraível dos mesmos preceitos legais, em conjugação com os artigos 357.º, n.º 3, e 356.º, n.º 9, do referido Código, carece de algu- ma indagação; ainda que na realização do direito à obtenção de uma decisão judicial no mais curto prazo pudesse reconhecer-se uma finalidade apta a justificar a exclusão do contraditório sobre a prova inerente à reprodução ou leitura em audiência de julgamento das declarações anteriormente prestadas pelo arguido e na dispensa de tal leitura ou reprodução uma medida adequada à prossecução daquele desiderato, o certo é que não só permaneceria por demonstrar a ausência de outros meios menos res- tritivos para assegurar a mesma finalidade, como a desproporção, tanto quantitativa como qualitativa, entre o prejuízo gerado por aquela dispensa e os ganhos com a mesma ocasionados seria em qualquer caso manifesta. X – Tratando-se da valoração de prova declarativa obtida através do arguido, a cujo conteúdo se permite que o tribunal aceda fora do âmbito da audiência de julgamento e à revelia daquele, apesar de ali presente, bem se vê que qualquer ganho que daí pudesse advir para a celeridade do processo penal seria sempre, para além de em si mesmo pouco expressivo, insuficiente e imprestável para justificar, em face da relevância dos interesses protegidos pelo direito fundamental restringido, o encurtamento das garantias de defesa com que é definida a medida dessa restrição; para além do enfraquecimento da própria estrutura acusatória do processo, na dimensão que repudia a apreciação não dialética dos meios de prova, a dispensa do contraditório sobre a prova integrada pelas declarações processuais ante- riormente prestadas pelo arguido no processo constitui uma afetação da prorrogativa da não autoin- criminação que, independentemente do exato grau em que deva ter-se por verificada, não encontra no lado contrário da balança um interesse de grandeza suficiente (ou realizável em medida suficiente) para poder justificá-la.

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