TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

626 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – A questão a resolver no presente recurso consiste em saber se o estatuto constitucional do arguido, perspetivado a partir da estrutura acusatória do processo penal e das garantias de defesa que este deve assegurar, é ou não compatível com a possibilidade de livre valoração pelo tribunal de julgamento, como meio de prova, das declarações que aquele tiver anteriormente prestado perante autoridade judi- ciária, com assistência de defensor e depois de informado de que as mesmas poderiam ser utilizadas no processo, mesmo que fosse julgado na ausência ou não viesse a prestar declarações, sem que, estando o mesmo presente em audiência de julgamento, o conteúdo de tais declarações haja sido aí lido ou reproduzido, perante todos os sujeitos processuais; a presença em audiência de julgamento que é ao mesmo tempo facultada e imposta ao arguido é elemento constitutivo do direito de defesa; uma vez exercido o direito (e cumprido o dever) de presença pelo arguido, o direito de audiência e o direito ao contraditório que nele se concretiza ganham particular efetividade. IV – No caso da prova declarativa constituenda , o respeito pelo princípio do contraditório pode ocorrer, à partida, de duas distintas formas: (i) através do contraditório pela prova; e (ii) por meio do contra- ditório sobre a prova obtida previamente, que se encontra assegurado no regime das declarações para memória futura; assegurado que se mostre o contraditório pela prova, o contraditório sobre a prova pode ser respeitado sem necessidade de leitura ou reprodução no âmbito da audiência de julgamento das declarações tomadas à testemunha; o problema respeitante às condições em que o aproveitamento probatório das declarações processuais anteriormente prestadas pelo arguido pode ser levado a cabo pelo tribunal de julgamento situa-se no plano do contraditório sobre prova. V – Seja qual for a fase do processo em que sejam prestadas, as declarações de arguido revestem sempre uma dupla natureza: constituem, por um lado, um meio de defesa e assumem-se, por outro, como um meio de prova; caracterizado por uma fundamental unidade – no sentido em que se mantém ao longo de todo o processo, valendo para todas as suas fases ou atos – o estatuto do arguido é integrado, no que aqui especialmente releva, pelos direitos de presença, de defesa, de audiência e ao contraditório, bem como pelos direitos ao silêncio e à não-incriminação; são direitos que decorrem das garantias de defesa e da estrutura acusatória impostas pela Constituição ao processo penal e que, juntamente com a presunção de inocência, condicionam as escolhas do legislador – ou aquelas que lhe possam ser ainda interpretativamente imputadas – na modelação do regime relativo à atendibili- dade probatória das declarações processuais prestadas perante autoridade judiciária em fase anterior ao julgamento. VI – Ao decidir prestar declarações perante autoridade judiciária no âmbito do inquérito ou da instrução, o arguido renuncia ao direito ao silêncio que a Constituição e a lei lhe conferem e, independentemente do conteúdo das declarações que prestar, ainda ao seu direito à não autoincriminação; o aproveita- mento probatório de tais declarações pelo tribunal de julgamento significa a projeção dessa renúncia para além do momento processual em que a mesma teve lugar e, em particular, a conservação dos seus efeitos no processo de modo a que estes possam vir a concorrer e contribuir para a decisão de consi- derar ou não verificados os pressupostos da responsabilidade. VII – Se isto é assim, parece que o respeito pleno pela decisão de vontade do arguido – que constitui um limite permanente e contínuo à possibilidade da sua utilização como meio de prova – há de implicar que, uma vez presente em audiência de julgamento, ao arguido seja reconhecido o direito de con- trolar aquilo que declarou e, em condições de interação comunicativa e reciprocidade dialética com

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