TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
625 acórdão n.º 770/20 SUMÁRIO: I – A norma sindicada, ainda que inscrita na problemática, de âmbito necessariamente mais vasto, relativa ao aproveitamento probatório das declarações processuais prestadas por arguido em fase anterior ao julgamento, ocupa aí uma posição muito particular: através dela dá-se resposta à questão de saber, não se tais declarações podem ser valoradas como meio de prova pelo tribunal de julgamento, mas, acei- tando-se que o podem ser, se poderão ser valoradas sem que tenha havido lugar à respetiva leitura ou reprodução em audiência, por decisão documentada em ata; a questão que importa resolver consiste em verificar se a norma que foi aplicada é compatível com o estatuto processual do arguido, tal como perspetivado e conformado pela Constituição. II – Se a estrutura acusatória fixada ao processo penal e a sua vinculação ao ónus de assegurar todas as garantias de defesa impõe que o processo penal se organize e desenrole, em todas as fases e atos que o integram, de acordo com o princípio do respeito pela decisão de vontade do arguido, isso significa, no plano probatório, que qualquer contributo do arguido, quer resulte em favor ou em desfavor da sua posição, haverá de constituir uma afirmação esclarecida e livre de autorrealização pessoal; no âmbito das garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar encontram-se, por essa razão, os direitos ao silêncio e à não autoincriminação em que se concretiza o princípio nemo tenetur se ipsum accusare ; do princípio da presunção de inocência, conjugado com o princípio da preservação da dignidade pes- soal do arguido, resulta, no plano probatório, que a utilização do arguido ( v. g. , das suas declarações) como meio de prova seja sempre limitada pelo integral respeito da sua decisão de vontade. Julga inconstitucional a norma extraída dos artigos 355.º, n. os 1 e 2, e 356.º, n.º 9, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, todos do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual podem valer em julgamento as declarações do arguido a que se refere o artigo 357.º, n.º 1, alínea b) , do referido Código, sem que tenha havido lugar à sua reprodução ou leitura em audiência, por decisão documentada em ata. Processo: n.º 739/20. Recorrente: Particular. Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa. ACÓRDÃO N.º 770/20 De 21 de dezembro de 2020
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