TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
623 acórdão n.º 741/20 com qualquer tipo de emprego público. E assim se entende também, por maioria de razão, a exclusão dos membros das Forças Armadas ou forças militarizadas, símbolo por excelência da autoridade pública e do monopólio estadual do uso da força. A lógica sistémica das incompatibilidades legais é cristalina: quem pretende exercer a profissão de advo- gado – ou seja, de representante do cidadão – não deve parecer representar, ao mesmo tempo, o Estado. Assim, são evidentes quer a adequação, quer a necessidade deste tipo de medidas para salvaguardar o interesse público na autonomia técnica, isenção e independência dos que exercem a profissão de advogado. Não se ignora, do ponto de vista da proporcionalidade em sentido estrito, que a restrição em causa implica consequências adversas, agudizadas, como aponta o recorrente, na fase formativa do exercício da profissão de advogado. Esta fase de carreira, em que pode ser difícil que os proventos obtidos com o exercício da profissão per- mitam assegurar na totalidade as necessidades vitais do profissional e da sua família, exige um investimento finan- ceiro e pessoal de vulto, que poderá ser mais difícil em momentos complexos do percurso de vida de cada um. Todavia, a verdade é que o advogado estagiário é, ainda assim, um advogado. É-o aos olhos da lei, já que o EOA prevê, no artigo 69.º, que “os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor não podem ser impedidos, por qualquer autoridade pública ou privada, de praticar atos próprios da advocacia” (subli- nhado nosso). A possibilidade de prática de atos de advocacia por advogados estagiários fica ainda patente, por exemplo, no artigo 24.º do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 913-A/2015 da Ordem dos Advogados), onde se prevê, entre outros, como deveres específicos do advo- gado estagiário “participar nos processos judiciais que lhe forem confiados no quadro legal e regulamentar vigente” e “participar no regime do acesso ao direito e à justiça em conformidade com o quadro legal vigente”. Assim, por força das funções que pode desempenhar e dos atos que a lei o autoriza a praticar, ainda que se exija apoio e supervisão dos patronos, o advogado estagiário é, certamente, também visto como verdadeiro advogado aos olhos do público, devendo, por isso, estar em condições de assegurar, para além de qualquer dúvida, uma relação de confiança recíproca com os seus clientes e uma defesa dos interesses legítimos destes, nos termos do artigo 97.º do EOA. Ora, face a tudo o que se afirmou, afigura-se que a extensão da aplicação da norma do artigo 188.º, n.º 1, alínea d) , do EOA aos advogados estagiários, aplicando-lhes as restrições à inscrição na Ordem que se impõem aos advogados, se encontra plenamente justificada. Não se extrai, portanto, qualquer argumento do artigo 47.º, n.º 1, da CRP, que permita concluir que a Lei Fundamental proíbe uma solução legal como a ora questionada, nos termos da qual os advogados estagiá- rios se incluem no âmbito subjetivo de aplicação das normas que estabelecem restrições à inscrição na Ordem dos Advogados e, em concreto, segundo a qual tal restrição se estende a todos os que estejam, em razão do seu estatuto pessoal ou profissional, impedidos de exercer a profissão. Assim, se a dimensão normativa aplicável ( in casu , um segmento do EOA) estabelece que certas conjunturas factuais inviabilizam a prática do ofício de advogado, nada há na Constituição da República Portuguesa que proíba o alargamento dessa exigência às etapas vestibulares, incipientes ou preparatórias, de acesso definitivo à carreira e ao pleno exercício de funções (de que é exemplo a inscrição no curso de estágio da Ordem dos Advogados). Em conclusão, a interpretação resultante da norma extraída do artigo 188.º, n.º 1, alínea d) , do EOA, no sentido de se aplicarem aos advogados estagiários as incompatibilidades para o exercício da advocacia não viola o direito fundamental à liberdade de escolha de profissão, nos termos do artigo 47.º, n.º 1, da Consti- tuição da República Portuguesa. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Não conhecer do objeto do recurso quanto à interpretação da norma do artigo 82.º, n.º 1, alínea k) , segunda parte, do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo a qual a GNR é uma força militarizada;
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