TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
622 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ou seja, na sua tese, mesmo que se considerem constitucionalmente conformes as restrições ao exercício de uma profissão, esse juízo não pode ser automaticamente estendido às condições de formação dos profissio- nais, impondo-se ponderação distinta. Nestes termos, seria, pois, inconstitucional, porque desproporcional, impor o abandono de uma determinada atividade profissional para poder obter as qualificações necessárias para aceder a outra. O recorrente insiste, assim, em afirmar que os “advogados estagiários não têm qualquer competência própria plena”, que o seu estágio tem “apenas uma natureza formativa e certificativa”, sendo “um curso preparatório de acesso à profissão” e não o “exercício de uma ‘parcela’ da profissão” (fls. 105). Em síntese, o recorrente expende que inexiste interesse coletivo que justifique legitimamente a restrição do acesso à profis- são, violando, por isso, o parâmetro constitucional relevante, já que não se verifica, segundo alega, nenhuma “perda de isenção e objetividade para o exercício da advocacia” (fls. 106, verso) quando o interessado na carreira de advogado – e no ingresso ao estágio – seja membro da Guarda Nacional Republicana. Por sua vez, a recorrida retorque que “as funções desempenhadas por militares da GNR são incompatí- veis com o exercício da advocacia” (fls. 171, verso), por força do disposto no artigo 82.º, n.º 1, alínea k) , do EOA”. Consequentemente, afirma que este impedimento, que visa salvaguardar a “independência e a dig- nidade da profissão de advogado, é, naturalmente, aplicável, de igual modo, ao exercício das funções como advogado estagiário”, de forma a garantir o interesse coletivo em que os atos praticados por um advogado estagiário respeitem os limites impostos pelas incompatibilidades com a profissão. 12. Ora, com efeito, a lei que disciplina a carreira de advogado impõe, em consonância com o artigo 47.º, n.º 1, da CRP, princípios de autonomia técnica, isenção, independência, responsabilidade e dignidade da profissão, que se configuram como princípios de interesse público e coletivo, definidores do quadro de exercício da advocacia. Sempre que se afigure possível que tais princípios sejam colocados em causa, preveem- -se na lei incompatibilidades e impedimentos, com vista a salvaguardar a sua manutenção. Nestes termos, é patente que a questão em apreciação pelo Tribunal Constitucional neste recurso não se prende com saber se tais princípios podem, ou não, constituir um interesse público habilitante de restrições à liberdade de escolha da profissão de advogado – a resposta, neste caso, é obviamente afirmativa. O problema consiste, na verdade, em saber se a estrita dimensão de acesso à profissão, através da realização de estágio, é passível de ameaçar a salvaguarda daquelas exigências, em termos tais que exijam restrições idênticas ao livre exercício da profissão. Adianta-se, desde já, que a Constituição não impede tal equivalência. Considerando que, conforme acima se explanou e como demonstra a jurisprudência, o direito à livre escolha de profissão, consagrado pelo artigo 47.º, n.º 1, da CRP, se harmoniza com a existência de exigências específicas, fixadas por lei, para que o seu exercício seja válido, a interpretação normativa ora atacada não é inconstitucional, desde logo, na medida em que a realização do curso de estágio de advogado é, como reconhece o próprio recorrente ( v. g. , pontos 12 e 15, fls. 106), não só via de acesso à carreira, como sua etapa inicial, e indispensável. Trata-se, pois, de advogados, ainda que em formação, sendo razoável supor que quem se inscreve no curso de estágio pretende vir a ser advogado definitivamente agregado, e, por isso, igualmente razoável exigir que quem frequente o estágio de advocacia possa – isto é, esteja em condições legais de – vir a sê-lo. Uma vez que se cuida da preparação técnica para o exercício da profissão, sendo o estágio uma fase inte- grante da mesma, ainda que preliminar, replicar em sede formativa – que inclui a experiência prática de execu- ção de atos profissionais supervisionados – o regime de exigência que a lei prevê para os profissionais em pleni- tude de funções afigura-se uma restrição justificada do direito fundamental à liberdade de escolha de profissão. Na verdade, e atendendo ao recorte concreto das incompatibilidades previstas no artigo 82.º do EOA – entre as quais se inclui, na alínea k) , a qualidade de membro das Forças Armadas ou forças militarizadas – é fácil concluir que o legislador prefere que quem desempenhe as funções de advogado não desempenhe funções públicas passíveis de serem identificadas como formas de exercício ou representação da autoridade do Estado. Daí o impedimento de vários servidores públicos para o livre exercício da advocacia – não apenas os titulares de órgãos de soberania ou de órgãos do poder local, mas também a maioria dos trabalhadores
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