TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

615 acórdão n.º 741/20 10. É que, tal como é referido no artigo 47.º, n.º 1, CRP, tendo as restrições legais ( in casu : disposições sobre incompatibilidades) de ter como fundamento uma imposição do interesse coletivo, não se vislumbra qual possa ser o interesse coletivo que justifique a restrição ao direito fundamental de realização do estágio de acesso à profissão de advogado, estágio que nem sequer pode ser considerado ainda como exercício de uma profissão, mas tão só como um dos requisitos de acesso à profissão de advogado 11. Aliás, a ser verdade que uma lei (EOA), hodiernamente, impede e realização de um estágio, como requisito de acesso a uma profissão, seria, ao que sabemos, o único caso na legislação portuguesa e até estrangeira, repita-se, tanto quanto sabemos. 12. Mais nenhuma outra Ordem Profissional, ou lei, impede as pessoas de adquirirem as formações necessárias/ estágios para o exercício de determinada profissão, o que se impede é o exercício dessa profissão, que é coisa bem diferente, pois, 13. Só se é livre na escolha da profissão, quando se pode ter acesso a ela, rectius às formações que permitem o seu exercício, pois antes disso, não se está suficientemente embasado de modo a poder escolher-se qual a atividade que se quer efetivamente exercer. 14. Repare-se, é de todo desproporcional exigir-se ao A. que para poder realizar um mero Curso de Estágio (e apenas este estágio formativo) se tenha previamente de demitir da função pública ou pedir uma licença sem venci- mento, pois isso pressuporia que o A. tivesse meios de subsistência financeira para tanto, o que não tem. 15. Não pode a livre opção de escolha de profissão ficar dependente da condição financeira de determinada pessoa, pois se assim for a CRP fica por cumprir. 16. Falar em perda de isenção e objetividade para o exercício da advocacia (tendo por base a forte hierarquia) e querer aplicar tal ideia a um mero curso de estágio de natureza formativa, rectius à segunda parte desse curso de estágio, pois é só nesta parte que os estagiários podem praticar atos próprio da profissão de advogado sob orientação do patrono, segunda parte esta que tem a duração máxima de 12 meses, é, salvo o devido respeito uma ideia, no mínimo, abusiva à luz do atual EOA, rectius desde o EOA de 2005, é uma ideia/interpretação que, 17. Vem do passado (do antes de 2005), é, hoje, uma interpretação castradora e claramente violadora das nor- mas constitucionais acima citadas. 18. No limite dos limites, se imaginarmos um advogado estagiário que seja simultaneamente técnico superior/ ou polícia civil (estes podem realizar o estágio e exercer a profissão em regime de subordinação e exclusividade, e exercem, ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, EOA), que, enquanto estagiário seja defrontado, v. g. , com um cliente (do escritório onde faz o estágio) que pretenda mover uma ação contra a entidade pública onde presta serviço, apenas terá de declarar o seu “impedimento” (por aplicação dos princípios do artigo 83.º do EOA) escusando-se a qualquer “intervenção” no futuro processo, ainda que sob orientação do seu patrono (os estagiários agem “sempre sob a orientação do patrono”, artigo 196.º, n.º 1, EOA), que é o que sucede na prática (e na teoria não poderia ser de outro modo). 19. Ora, porque o mesmo não há de valer para os demais funcionários públicos, militares/militarizados ou não, bem como para qualquer pessoa que apenas, e tão apenas queira, primeiro que tudo, realizar o mero curso de estágio como requisito de acesso à profissão? 20. Será que a riqueza financeira é pressuposto da realização de um estágio formativo de acesso a uma profissão? Pensamos que não pode ser... 21. Será que faz sentido impedir um funcionário público, v. g. , um cozinheiro de um município, um varredor de rua de uma Junta de Freguesia, ou mesmo um militar das Forças Armadas/militarizadas com o posto de soldado e a especialidade de cozinheiro ou tratador de cavalos, 22.Será que faz sentido impedir que uma destas pessoas, quase todas elas, para não dizer todas, de origens humildes e parcos recursos financeiros, após se terem esforçado para, muitas vezes à noite – com prejuízo para a educação dos seus filhos, se tiverem família após terem conseguido licenciar-se em Direito, lhe seja, pura e sim- plesmente, 23. Vedado o acesso à formação final (estágio na OA) que lhes irá permitir,

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