TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

613 acórdão n.º 741/20 88. Vamos tentar resumir, mas não sem antes relembrar que a natureza militar, é, em boa verdade, irrelevante para a questão, pois o que está em causa é saber se na GNR (independentemente da sua natureza) há forte hierar- quia que coloque em causa a independência e isenção exigidas ao exercício da advocacia (em regime de subordina- ção e exclusividade), o que, como já vimos, não há. 89. Já referimos que os militares da GNR apenas são militares em sentido formal, o que é pacífico na doutrina, assim sendo por dois grandes motivos: a. Em primeiro lugar, a função principal da GNR/seus militares é a segu- rança interna, só residualmente lhe cabendo a defesa militar do território contra agressões externas, e mesmo neste caso, seria da mesma forma que à PSP caberia, pois o regime legal é uníssono para as duas forças de segurança, exceção ao que diremos já em seguida; b. Em segundo lugar, porque não estão sujeitos à disciplina militar (RDM) a que estão sujeitos os militares das Forças Armadas, a não ser que (i) seja declarada a guerra ou o estado de sítio ou de emergência e (ii) colocação da GNR na dependência do Chefe do Estado-maior-General da Forças Armadas (por despacho administrativo). Mas neste caso – situação nunca ocorreu em 110 anos de história da GNR nem se prevê que venha a acontecer, pois implicaria um cenário de guerra civil ou quase, ou agressão militar externa – mas mesmo neste caso, dizíamos, que tal cenário hipotético visse a ocorrer, isso apenas implicaria que os membros/ militares da GNR que se encontrassem a exercer a advocacia em regime de subordinação e exclusividade para a própria GNR entrariam numa situação de incompatibilidade superveniente – a declarar nos termos do artigo 91.º, alínea d) , do EOA. O mesmo podendo acorrer a qualquer cidadão advogado, ou não, que em tais estados de anormalidade constitucional, fossem chamados a prestar serviço nas Forças Armadas, ao abrigo da Lei do Serviço Militar (LSM). 90. Em suma, podemos dizer que os militares da GNR estão sujeitos à condição militar (geral), mas esta afir- mação apenas significa que, por um lado, estão sujeitos às restrições legais impostas aos demais militares, previstas na Lei de Defesa Nacional e Estatuto da Condição Militar (situação que é irrelevante para que questão sub examine da forte hierarquia), por outro, que podem, pelo menos teoricamente, vir a ser sujeitos à disciplina militar nos ter- mos supra acabados de expor, o que também é irrelevante, pois a lei, neste caso, dá um remédio, que é a declaração de incompatibilidade superveniente. 3.º argumento 91. A previsão normativa do artigo 82.º, n.º 1, alínea k) , segunda parte, EOA, obedece a um critério orgânico, pelo que está construído por referência à natureza das instituições em que os advogados ou candidatos a advogados se inserem, independentemente do seu estatuto funcional dentro dessas instituições. (Argumento). 92. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta interpretação. Vejamos porquê. 93. Em primeiro lugar a disposição legal em causa fala em “Membros das Forças Armadas ou militarizadas”, ora, 94. A palavra “membros” aponta claramente para o estatuto funcional/pessoal do indivíduo, independente- mente da organização onde preste serviço. 95. E só assim é que faz sentido, pois o facto de, v. g. , um militar do Exército estar a prestar serviço (em comis- são de serviço) num organismo civil, tendo para o efeito um superior hierárquico civil, não o exime do regime da forte hierarquia a que está sujeito, pois o RDM continua-se-lhe a aplicar em toda a sua plenitude (artigo 5.º, n.º 1, do RDM). Podemos até dizer que, no limite, a violação grave do dever de obediência (incumprir ordem do superior hierárquico civil) pode levar à prisão disciplinar do militar que perante ele presta serviço. 96. Mais, e em segundo lugar, se a norma apontasse para um critério orgânico, que não para o estatuto funcio- nal/pessoal do indivíduo, seria muito fácil defraudar a lei, 97. Seria muito fácil violar o seu espirito, pois bastaria a qualquer militar das Forças Armadas (ou da GNR) voluntariar-se para prestar serviço num organismo externo (não organicamente pertencente às Forças Armadas) para, querendo, poder exercer a advocacia em regime de subordinação e exclusividade, ainda que, 98. Sujeito ao mesmo regime de forte hierarquia/RDM tal qual estivesse integrado nas Forças Armadas, ou seja, 99. Se assim fosse, já o A. nos presentes autos estaria exercer a advocacia, mas como é óbvio e flagrante, as coisas não são assim. 100. Em terceiro lugar, esta interpretação levaria a que um técnico superior, que não se encontra sujeito a nenhuma forte hierarquia – é-lhe aplicável o Estatuto Disciplinar Geral do Trabalhadores em Funções Públicas4o

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